Se hoje em dia é desafiador ter uma galeria com jovens artistas, imagine se “o galerista” fosse uma mulher solteira, pobre e judia no começo do século XX.

“Abram caminho para os jovens,” dizia Berthe Weill. Em 1901, a jovem corajosa de 36 anos inaugurou sua pequena galeria em Paris. Entre os desconhecidos que apoiou antes da fama estavam Picasso, Matisse, Modigliani e Suzanne Valadon (resgatada recentemente por uma exposição blockbuster no Pompidou antes deste fechar para reforma). 

Por 40 anos, Weill foi uma força propulsora de jovens talentos. “La mère Weill”, como Derain a apelidou, remou contra a maré do sexismo, antissemitismo e a perene escassez de recursos sem nunca esmorecer. Com garra e um humor ácido, conquistou a independência e o respeito de quem importava, e se tornou um símbolo de integridade, luta e liberdade. 

Mesmo com uma carreira exitosa e única, seu nome caiu no esquecimento. Agora, três museus se uniram para montar uma exposição que contasse a história de Weil e a colocasse onde ela merece: entre os grandes marchands da história. 

O Grey Art Museum, museu da faculdade de NYU, juntamente com o Montreal Museum of Fine Arts e o Musée de l’Orangerie, de Paris, reuniram cerca de 110 obras – entre pinturas, desenhos, gravuras e esculturas que foram exibidos na “Galerie B. Weill” durante suas quatro décadas de atividade – e documentos como cartas, catálogos, fotografias e diários para contar a história da galerista avant-garde. A exposição já passou por Nova York e Montreal e fica em Paris até 26 de janeiro. 

Nascida em Paris em uma família pobre, Weill começou como ajudante de um vendedor de antiguidades. Com a experiência adquirida no comércio, resolveu montar com seu irmão o próprio negócio em Montmartre, onde viviam muitos artistas, vendendo livros e gravuras. A sociedade com o irmão durou pouco, e logo começou o voo solo da primeira galerista mulher do século XX. 

Em 1900, conheceu o jovem Picasso, recém chegado de Barcelona, e identificou imediatamente que se tratava de um talento único. Comprou três telas para sua coleção e vendeu outras 15 – mas nunca o representou formalmente. 

A descoberta de Picasso por Weill aconteceu antes da primeira grande exposição do artista, e antes de Picasso ser representado pelo maior galerista da época, Ambroise Vollard. 

Weill vivia à caça de novos talentos nos Salons da época e, em geral, acertava nas escolhas antes da crítica, o que consolidou sua reputação de um olhar apurado. 

Gertrude Stein elogiou seu talento para descobrir e promover artistas de vanguarda, escrevendo na Autobiografia de Alice B. Toklas: “Praticamente todos os que mais tarde se tornaram famosos venderam a ela seus primeiros trabalhos,” adicionando que os artistas eram gratos a Weill pelo impacto que ela teve em suas carreiras.

Sem falsa modéstia, ciente de que tinha um olho certeiro, Weill escolheu como título da sua autobiografia: “Pow! Direto no Olho”, em que contou seus 30 anos de atividade como perdigueira de obras primas. Aliás, foi precursora nisso também: escrever um livro registrando a vida de galerista.

No Salon de 1905, os trabalhos de Matisse e Derain, entre outros, integraram a sala das “bêtes” (feras), como a crítica os chamou pejorativamente – o que acabou culminando no nome do movimento “Fauves”.

Weill foi fundamental para a difusão do Fauvismo, tendo sido precursora na exibição do grupo anos antes. Depois do Salon, advogou junto aos críticos a favor de Matisse e Derain, contextualizando as obras perante o público e colecionadores.

Weill se manteve audaciosa e original além do grupo dos franceses, acolhendo artistas de diversas origens — Rússia, Noruega, Polônia, Espanha, Itália, Grécia e Estados Unidos — sem se restringir às doutrinas rígidas do período ou pela opinião da crítica dominante. Em 1914, organizou a primeira mostra parisiense do mexicano Diego Rivera, atraindo a atenção de Apollinaire, o poeta e escritor fundamental para o movimento cubista.

“Weill era naturalmente curiosa e decidida a dar uma chance aos artistas, guiada não por doutrinas artísticas, mas pelo seu instinto, seu olhar e suas afinidades pessoais. Adotou uma postura de princípios, usando suas exposições para combater certos defensores do ‘bom gosto’ francês, que tinham subtons xenófobos e antissemitas,” escreveu a pesquisadora Marianne Le Morvan no texto da exposição. 

Em 1917 Weill organizou, por iniciativa do poeta polonês Zwoboroski, a única individual de Modigliani realizada durante a vida do artista, exibindo 32 obras, em sua maioria pinturas.

Quatro nus femininos frontais estavam expostos, o que provocou grande escândalo, atraindo multidões e a polícia, Weill ficou em evidência nos jornais e acabou sendo obrigada a recolher os trabalhos pela “indecência pública”.

Apesar do alvoroço – ou por causa dele – a mostra foi um completo desastre comercial. Para ajudar Modigliani, Weill ficou com quatro obras. Ela descreveu em seu livro como nus suntuosos, figuras angulosas e retratos arrebatadores poderiam ser tão magníficos e resultar em tamanho fiasco de vendas.

“Berthe Weill usa a ironia como uma forma de distanciamento, zombando de seus fracassos. De seu negócio ela fez uma luta, da qual revela sem sombra a crueldade de todos os contratempos,” Marianne escreveu na apresentação da última edição do livro de Weill, relançado por conta da mostra. 

Ao longo dos anos Weill manteve amizade com a pintora Suzanne Valadon, uma artista que desafiou o status quo retratando mulheres em posturas altivas (sem feminilidade ou sensualidade) e nus masculinos.

A odalisca sensual, que estava para servir homens, foi transformada em mulher moderna, pensativa, com os pés para cima e cigarro na mão. “Como de costume, a coleção de suas obras era notavelmente forte, mas ela tinha tantos detratores! Para seu crédito, nunca fez nenhuma concessão. Uma grande artista!” Weill disse sobre Valadon, cujos trabalhos exibiu em mais de 20 exposições coletivas e 3 individuais em sua galeria.

Com o início das medidas antissemitas em 1940, Weill fechou a galeria. Sobreviveu à Ocupação em frágil condição de saúde e sem recursos. Em 1946, artistas e galeristas organizaram um leilão para angariar fundos para ela se manter até o fim da vida. Ao morrer em 1951, havia promovido mais de 300 artistas e exposições em sua galeria. 

“As lutas de uma mulher são difíceis, e é preciso força excepcional de vontade para sair quase ilesa,” anotou em seu livro.

Berthe Weill