O mercado financeiro brasileiro se orgulha de ser sofisticado, mas o aluguel de ações continua sendo um de seus cantinhos mais rudimentares e opacos. 

Ainda baseado no caderninho e no telefone, trata-se de um mercado tão assimétrico quanto o de imóveis e carros: quando um cliente quer alugar ou doar um papel, precisa ligar para o corretor, que em seguida sai procurando alguém na ponta oposta. 

(Glossário: o aluguel de ações é um mecanismo para se apostar na baixa das ações, o ‘short’, no jargão de mercado.  Um investidor aluga uma ação, vende e espera recomprá-la na baixa, lucrando a diferença.) 

10618 ac005daf fd60 fbc6 e748 3028289c78edPara resolver este problema, André Duvivier, um ex-trader com 16 anos de Merrill Lynch, criou a SL Tools – sigla para ‘stock lending’ – uma fintech que leva o aluguel de ações do mercado de balcão para o eletrônico.

Na prática, trata-se de um marketplace em que quem tem ações para doar as coloca à disposição de quem quer alugar (e vice-versa).

O outro fundador da SL Tools é Ricardo Miraglia, que chefiou a área de empréstimo de ações da Bolsa (o chamado BTC) por 18 anos.

Com um processo ineficiente, pouco transparente e sujeito a erros, a disponibilidade de ações para aluguel no Brasil é limitada, o que coloca um teto no potencial de crescimento dos fundos long-short.  

Esses fundos somavam R$ 10 bilhões em 2011, caíram para R$ 5 bilhões em 2016 e voltaram ao patamar de R$ 10 bilhões no ano passado.

Uma vez registrada na clearing central da Bolsa, a operação de aluguel não tem risco de contraparte. O problema, no entanto, está entre o fechamento da operação e o registro. Cada uma das partes envolvidas manda os dados da operação para a Bolsa. Se houver erro de entendimento entre as partes ou uma falha qualquer no registro da operação, a corretora só informa o cliente no fim do dia que ela não foi fechada.

“Ninguém até hoje fez investimento para esse negócio crescer”, diz Duvivier, numa alusão à B3. “Nas nossas contas, o aluguel pode até dobrar ou triplicar para um mesmo valor de mercado”. 

Dados de 2016 mostram que o número de posições em aberto (ações alugadas e que ainda não foram ‘devolvidas’) correspondia a 10% do total de ações em poder dos fundos locais. Na prática, por estatuto, muitos deles podem doar até 50% ou mais.

“O short no Brasil é uma variável importantíssima porque, embora haja muito alfa para  capturar – porque tem muita ineficiência – não dá pra crescer porque o mercado de aluguel é muito limitado”, diz Duvivier, ou Duviva, como é conhecido no mercado. 

Com 25 anos de mercado, além da Merrill, ele foi sócio do Explora, uma gestora com foco long-short.  No começo da carreira, trabalhou nos Estados Unidos, onde viu a liquidez dos ADRs disparar quando o mercado saiu do balcão para o eletrônico. 

O grande desafio da SL Tools será sua capacidade de fomentar um dos lados da equação: a demanda. “Não tem Uber se não tiver carro preto”, compara Duvivier.  Funcionando desde outubro, a SL Tools já tem 20 clientes entre gestoras ligadas a bancos e fundos independentes, e duas corretoras estão operando com o sistema: BTG e Ativa. Outras duas se conectarão nos próximos dias. (Do lado da oferta, a SL Tools já conseguiu quatro grandes doadores-âncoras.)

“Num negócio assim, você precisa ter todo o mercado plugado na plataforma: um ou dois não adianta,” diz o dono de uma gestora que está avaliando o serviço.

Para desenhar a precificação do serviço, Duvivier recorreu ao livro “Negotiating the Impossible”, do professor da Harvard Business School, Deepak Malhotra. 

Corretoras e gestoras não pagam nenhuma mensalidade pelo uso do sistema da SL Tools. A remuneração vem dos negócios fechados pela plataforma e o custo é embutido na taxa de corretagem da operação (num modelo semelhante ao mercado à vista). 

Num dos modelos de remuneração, paga quem ‘fecha’ o negócio: se a corretora A cadastrou um papel para doação e a corretora B fechou negócio para alugá-las, os encargos são da corretora B. O mesmo vale no caso oposto: se alguém busca um determinado número de ações para alugar e o doador fecha (ou ‘agride’, no jargão do mercado) a oferta, a comissão é cobrada do doador.

Além de aumentar a oferta, o marketplace dá mais transparência aos preços. Hoje, a base para a taxa de aluguel é a média do dia anterior, divulgada pela CBLC. Com a SL Tools, no entanto, é possível ver as ofertas de preço em tempo real e ter mais sensibilidade sobre os valores. 

Vendo a inovação florescer no seu quintal, a B3 está correndo atrás do prejuizo. A Bolsa quer colocar um sistema em funcionamento — nos mesmos moldes da fintech — no meio do ano, ainda que no mercado acredite-se que esse prazo deva ser estendido. 

Para a SL Tools, o aluguel de ações é só o começo de um projeto bem mais ambicioso e que deve envolver outros tipos de ativos.  Duvivier já está conversando com investidores locais e internacionais para expandir o marketplace para outras classes de ativos.

Até hoje, a SL Tools foi financiada com dinheiro próprio. A Cedro Technologies, de Uberlândia, que já desenvolveu plataformas de home broker para várias corretoras da Faria Lima, é a única sócia além dos fundadores, com 25%.

O benchmark da SL Tools é a NEX, uma plataforma de trading britânica que atua conectando compradores e vendedores de bônus, swaps e moedas. A NEX foi vendida no ano passado para CME Group, dono da Bolsa de Chicago, por US$ 5,5 bilhões. 

“O futuro é a conexão nesse modelo all-to-all, conectando clientes finais e brokers no mesmo sistema”, diz Duvivier.