NOVA YORK – A pop art de Andy Warhol e Roy Lichtenstein e o minimalismo de Sol LeWitt e Donald Judd são a epítome da arte americana dos anos 60. Mas essa arte divertida, festiva (ou simplesmente mínima e silenciosa) não é suficiente para retratar uma década de tanta transformação social e inquietação política. 

Talvez por isso, o Whitney Museum of American Art resolveu mergulhar em uma ousada releitura da criação americana desse período na mostra Sixties Surreal, que vai além de Warhol e Lichtenstein para focar no surrealismo praticado por artistas da costa oeste à leste, apresentando vários desconhecidos do grande público.

Além de resgatar estes artistas, a mostra traz o argumento de que o surrealismo americano não foi uma cópia do movimento europeu, mas se apoiou em uma realidade social extremamente complexa: Guerra do Vietnã, crise dos mísseis, luta por direitos civis, o início do consumo em massa, os hippies, novas tecnologias, a corrida espacial e até a minissaia – um caldeirão que proporcionou solo fértil para experimentações.

Organizada pelo diretor criativo do museu, Scott Rothkopf, com apoio de um time de pesquisa e o curador Dan Nadel, a mostra reúne mais de 100 artistas e cobre o período de 1958 a 1972.

Artistas consagrados como Warhol, Ed Ruscha, Claus Oldenburg e Yayoi Kusama aparecem ao lado de nomes que só recentemente ocuparam espaços institucionais, como Franklin Williams, Mel Casas e Nancy Grossman – o que mistura correção histórica com descoberta.

“Uma geração de artistas que era jovem nos anos 60 passou a buscar vocabulários artísticos que pudessem usar para explorar o tempo estranho e selvagem em que viviam,” Rothkopf disse ao The Guardian. “Os anos 60 foram um período de tantas mudanças — o medo da bomba atômica, múltiplas revoluções sexuais, o movimento pelos direitos civis, a cultura das drogas. Para muitos jovens, esses dias pareciam surreais.”

Uma das maiores críticas à mostra é que ela não é sobre surrealismo. Os curadores rotularam de “surreal” tudo o que foi deixado de fora da pop art, do minimalismo e do conceitualismo, movimentos tidos como os únicos relevantes da década de 1960. O conceito da exposição é bem articulado, mas o resultado causa certo estranhamento.

Assim que sai do elevador, o visitante se depara com camelos em tamanho real, bastante realistas, da artista Nancy Graves, o que dá o tom surreal. As esculturas foram exibidas pela primeira vez no Whitney em 1969.

“Camelos não deveriam existir. Eles têm carne nos cascos, quatro estômagos e uma mandíbula deslocada. No entanto, apesar de toda sua forma ilógica, o camelo ainda funciona,” disse a artista no texto da exposição.

Os curadores foram atrás do que foi desconsiderado pelas galerias nova-iorquinas por não se encaixar no cânone dominante ou por ser considerado estranho ou cafona na época. Ou seja, obras e artistas marginalizados mas ao mesmo tempo verdadeiramente originais.

“O surrealismo estava no cerne da cultura americana, mas era frequentemente visto como insípido ou ultrapassado, principalmente pelo mundo artístico nova-iorquino,” explica o texto introdutório, fixado logo atrás dos camelos. “Para muitos artistas que trabalharam na década de 1960, o surrealismo — ou a ideia mais geral do ‘surreal’ — tornou-se uma força libertadora.”

São mais de 150 obras, com grande diversidade temática, que ocupam as salas cobertas por cores fortes e uma iluminação escura. Fragmentos, metamorfoses, delírios coletivos, experiências sensoriais são usados para descrever crises políticas e psíquicas – artifícios para refletir o caos da época. 

“Tentamos na instalação criar um ambiente que aguçasse a experiência,” explicou Rothkopf. “À medida que você se move pela exposição, está em uma jornada de sentidos intensificados. Esperamos que as pessoas simplesmente sintam isso no estômago.”

A mostra alterna grandes instalações com trabalhos menores. Kusama, com suas repetições obsessivas, ao lado do corpo distorcido de Bourgeois; os retratos de Diane Arbus, com as colagens de Romare Bearden são highlights da exposição. 

O curador ambiciona reescrever a história da década. “Se você vira os anos 60 de cabeça para baixo, aquilo que parecia ser um espetáculo secundário nessa grande marcha dos ismos era, na verdade, a coisa — a coisa principal,” disse Rothkopf. “O que os artistas estavam fazendo da costa oeste à leste, do sul do Texas até Chicago. Então a grande história que contamos para nós mesmos pode quase parecer um pouco esotérica em comparação com os muitos artistas que estavam engajados nesse tipo de pensamento.”

A mostra – que fica em cartaz até janeiro – é ousada, surpreendente e estranha, o que a faz tão interessante. O visitante sai desconcertado, na dúvida – mas com uma percepção bem mais ampla de uma década que mudou a história.