O Governo conseguiu reduzir o nível de estresse no mercado, prometendo manter o arcabouço fiscal e indicando corte nas despesas.
“Mas esse episódio não foi esquecido, o mercado agora está esperando um pouco para ver, acho que ainda não está all clear em relação a essa questão,” Alberto Ramos, o chefe da área de pesquisa econômica para América Latina na Goldman Sachs, disse ao Brazil Journal.
Na Goldman desde 2003, Alberto – que nasceu em Moçambique e morou em Portugal antes de se mudar para os EUA – acompanha os altos e baixos do Brasil há mais de duas décadas.
Antes de ir para Wall Street, foi economista do FMI. Formou-se em economia em Chicago, onde também fez doutorado.
O economista estima que o próximo movimento do Banco Central deverá ser um corte na Selic, provavelmente em uma janela que se abrirá em meados do próximo ano.
“Mas não é impossível imaginar um cenário onde o BC tenha que dar uma resposta monetária a um aumento do prêmio de risco,” ressalvou o economista. “Isso pode acontecer, por exemplo, na transição no comando do BC.”
Para Alberto, poderia ser um movimento para reafirmar a credibilidade da nova diretoria. “A teoria da sinalização diz que ‘a signal is only valuable if it’s costly.’”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Boa parte da frustração do que ocorreu no mercado brasileiro este ano se deve à frustração com o que ocorreu nos EUA, com os juros ficando acima do esperado. Qual a sua expectativa para depois das eleições? A situação fiscal continuará pressionando os juros?
Claramente a parte fiscal é uma preocupação também nos EUA. É uma economia operando a pleno emprego, robusta, mas com um déficit ainda de 7% do PIB e uma dívida crescente. O déficit estrutural é bastante elevado e há a expectativa de que, independentemente de quem venha a ganhar a eleição, as pressões do lado do gasto devem continuar.
É um fenômeno global. Em nome da justiça social, da transição verde, houve uma expansão do gasto muito significativa. A gente saiu de um equilíbrio de taxa de juros real muito baixa, próximo de zero nos EUA, para uma taxa de juros real mais elevada.
A expectativa é que, quando a política monetária normalizar em nível global, a taxa real de equilíbrio não voltará ao que era pré-pandemia. Vai ficar um pouquinho acima – e isso tem implicações óbvias sobre a dinâmica da dívida.
Os países estão muito endividados e não se vê um ponto de inflexão nessa trajetória. É uma fonte de preocupação de médio e longo prazo, sem dúvida.
Provavelmente, tudo mais constante, vamos ter uma taxa de juros real mais elevada nos EUA e também no Brasil. O próprio Banco Central revisou recentemente suas estimativas de juro neutro. O País terá que se preparar para essa realidade?
Acho que sim. A política fiscal brasileira é pró-cíclica. O gasto continua a crescer a uma taxa real muito elevada, bem acima do crescimento da economia, inclusive do crescimento potencial da economia – e isso é preocupante.
O fiscal continua a ser o fundamento macro mais frágil e mais preocupante da economia brasileira. Não houve progresso nessa agenda, pelo contrário. É uma fonte de pressão em prêmio de risco em todos os ativos do Brasil. Isso condiciona a calibração da política monetária. Reduz a margem de manobra do BC para reduzir a taxa nominal e a taxa real.
O Brasil tem um endividamento crescente, um déficit primário de mais de 2% do PIB. A trajetória fiscal antecipada pelo mercado é de déficit primário até perder de vista. Em algum momento, precisamos ver a estabilização da dívida, termos algum superávit primário. Mas não estamos nem próximos de chegar a zero.
Para estabilizar a dívida, teria que ir para 2% do PIB no resultado primário. Mas o ideal seria fazer um pouquinho além de 2%, porque estabilizar a dívida ao redor de 80% do PIB ainda deixa o país vulnerável. Precisa haver um primário robusto o suficiente para pôr a dívida numa trajetória declinante, mesmo que seja gradual. Estamos muito longe dessa agenda.
Houve no País a discussão, desde a transição política depois do impeachment da Presidente Dilma, de que para chegar a um superávit primário dessa magnitude seria necessário racionalizar o gasto, fazer algumas reformas. Mas dada a rigidez do gasto e outros impedimentos, esse ajuste também tinha que vir do lado da receita, que infelizmente não era o ideal, mas para gerar um superávit dessa magnitude teria que aumentar a carga tributária.
O que aconteceu? A carga tributária aumentou, mas para financiar mais gastos. Usaram o instrumento disponível no arsenal para lidar com a questão fiscal, não para gerar superávits. Então, a margem de manobra para lidar com as pressões fiscais é cada vez menor. É um problema cuja solução está ficando cada vez mais difícil.
Como fica o Banco Central? A meta de 3% é ambiciosa, nesse contexto?
Não é uma meta baixa, em comparação a outros países até mesmo da região. No Peru é menor do que isso. A banda de variação sobre o ponto central da meta é maior no Brasil do que qualquer outro país que tenha uma meta de inflação aqui na América Latina.Não é uma meta necessariamente muito conservadora. A melhor contribuição que o BC pode dar para crescimento sustentável e socialmente inclusivo é inflação baixa e estável, porque a inflação é um imposto regressivo, particularmente sobre as famílias de baixa renda.
Hoje o BC precisa ‘sobrecompensar’ a política fiscal pró-cíclica e se discute muito se a Selic de 10,5% é muito alta.
Está muito alta em relação a exatamente o quê? O BC estima que a taxa real neutra de equilíbrio seja 4,75%, mas os estudos do BC põem a média de vários modelos acima disso. Tem muita gente que acha que está entre 5% e 5,50% no curto prazo.
A inflação projetada ou esperada em 12 meses está a 4% ou acima de 4%. Então se dá um juro nominal de equilíbrio de 9% a 9,50%. O juro está a 10,5%. É uma política monetária muito restritiva? Diria que não.
Olhando para a curva de juros, você não vê prêmios excessivos?
A curva tem prêmio, mas tem uma razão para esse prêmio. Não é um prêmio injustificável.
Se a política monetária fosse muito restritiva, onde é que a gente encontraria a evidência disso? O crédito estaria contraído, mas o crédito está acelerando.
Se a política monetária fosse muito restritiva, as expectativas de inflação estariam melhorando, mas estão piorando. Se a política monetária fosse muito restritiva, o câmbio estaria forte, possivelmente sobrevalorizado, como foi o caso no México.
E a economia continua criando empregos…
Sim, está com pleno emprego, com uma economia em que a margem de ociosidade acabou. O hiato do produto zerou, está positivo na margem. O hiato do mercado de trabalho está positivo, está operando para além do pleno emprego.
O estímulo fiscal é muito elevado, o estímulo quase fiscal é muito elevado. Há uma estratégia de ‘tax and spend’, tributar e gastar, que continua a injetar muita grana na economia.
Olhe para o gasto, não só necessariamente o que o arcabouço permite, mas também todo o gasto que é executado fora do arcabouço – com o pagamento de precatórios, algumas despesas específicas.
Não estou dizendo com isso que o Banco Central necessita subir o juro ou que vai subir o juro. A probabilidade não é zero que isso venha a acontecer. Estou apenas argumentando que o BC tem condicionantes em calibrar a política monetária que vêm do fiscal, e que talvez a política monetária não seja assim tão restritiva como se insinua.
Em um relatório recente, vocês argumentam que existe uma janela em meados de 2025 para um possível corte da Selic. O movimento de queda é ainda mais provável do que o de alta?
O mais provável é termos que esperar até o próximo ano para termos um corte.
Mas não é impossível imaginar um cenário onde o BC tenha que dar uma resposta monetária a um aumento do prêmio de risco. Isso pode acontecer, por exemplo, na transição no comando do BC.
Seria um sinal para conquistar credibilidade?
Exatamente. A teoria da sinalização diz que ‘a signal is only valuable if it’s costly.’ Quando você entrega um sinal, se é uma coisa que você faz facilmente, não tem valor. Requer custo, algum tipo de comprometimento.
É possível, sim, até pela própria dinâmica da economia, com um crescimento possivelmente acima do potencial, com o mercado de trabalho bastante apertado, com uma dinâmica de salários acima da produtividade, e com muito estímulo fiscal e quase-fiscal.
Mas com o passar do tempo, o horizonte relevante da política monetária também se desloca. Chegando a meados de 2025, o horizonte relevante é 2026.
Podemos até lá ver uma desinflação em setores como o de serviços. E num cenário em que o Federal Reserve já está relativamente avançado num ciclo de normalização da política monetária, essa dinâmica pode, eventualmente, levar a uma retomada do ciclo de normalização no Brasil.
Mas é bem incerto e há uma probabilidade razoável de que não haja corte no próximo ano, e há uma probabilidade menor de um risco de cauda em que o BC tenha que, eventualmente, voltar a apertar a política monetária.