Roger Stone, consultor e agitador político da direita americana, coloca na mão de Donald Trump um button com o slogan da campanha de Ronald Reagan: “Let’s make America great again”. Esparramado com displicência na cadeira de seu escritório, Trump aprova a frase. Gosta sobretudo da palavra “again” (de novo), que evoca um passado grandioso dos Estados Unidos.

Stone aproveita a deixa para perguntar se o empresário não cogitaria se candidatar a um cargo eletivo. Trump descarta a ideia. Política, diz ele, é para os losers.

Esta é uma das poucas cenas de O Aprendiz (The Apprentice), em cartaz nos cinemas, que remete claramente ao Trump que conhecemos hoje – o populista que pode ser reeleito presidente dos Estados Unidos com a promessa de tornar o país grande novamente.

O roteirista Gabriel Sherman – um jornalista que cobriu a campanha vitoriosa de Trump em 2016 – usa o filme para contar a história do empresário dos anos 1980 e 1970, e as raízes do político de hoje. 

Dirigido pelo iraniano Ali Abbasi (do excelente Holy Spider), o filme rouba seu título do reality show que transformou Trump em uma celebridade televisiva. Mas se no programa era Trump quem ditava as regras, no filme é ele o aprendiz.

A história começa em 1973, quando o jovem Trump trabalhava na incorporadora de seu pai e buscava investidores para seus projetos imobiliários megalômanos.  E se encerra nos anos 1980, com o protagonista consagrado como o mais famoso e poderoso empresário de seu ramo em Nova York.

Trump está aprendendo a ser Trump, e Sebastian Stan, o ator que faz o personagem, deu contornos nítidos a esse processo de aprendizagem. Certos trejeitos que hoje são a marca do candidato a presidente – como o modo de contrair os lábios até quase formar um bico – só aparecem nos minutos finais do filme, para marcar o fim de uma transformação: Trump agora é plenamente Trump, em toda sua arrogância e grosseria.

Como todo aprendiz precisa de um mentor, o filme é a história da relação de Trump com seu mestre, o advogado Roy Cohn, um pitbull dos tribunais e operador político.

Extravagante na vida social e frio na condução de seus negócios, Cohn começou sua carreira nos anos 50 em dois episódios emblemáticos da Guerra Fria: foi assessor da promotoria no julgamento de Julius e Ethel Rosenberg, o casal que entregou segredos militares e nucleares aos soviéticos, e assessorou o senador Joseph McCarthy em sua perseguição a supostos comunistas infiltrados no governo.

Este conservador feroz era, em segredo, homossexual. Cohn morreu em 1986, aos 59 anos, em decorrência da Aids. Negou a doença até o fim: dizia que tinha câncer no fígado.

Coube a Jeremy Strong, da série Succession, dar nova vida a esse personagem histórico que já foi vivido por Al Pacino em Angels in America. Strong domina o filme. O espectador sente o poder sobrenatural que emana de sua figura esguia e sinistra.

Embora não traga nada que já não se soubesse, O Aprendiz apresenta episódios que Trump não deseja ver relembrados a poucas semanas da eleição. Na cena mais brutal, Trump estupra sua primeira esposa, a modelo tcheca Ivana (Maria Bakalova), depois de uma discussão em que ela diz que o marido está cada vez mais gordo – e mais cor de laranja.

O estupro, aliás, foi relatado por Ivana durante o processo de divórcio, nos anos 1990. Anos mais tarde, porém, ela diria que não usou a palavra no sentido literal. 

Um porta-voz da campanha de Trump disse que o filme é “pura difamação”, e seus advogados tentaram impedir sua exibição. Mas O Aprendiz não pode ser reduzido a um peça de demolição de caráter (se é que seu personagem tem algum caráter a ser demolido).

Algumas resenhas na imprensa americana até manifestaram decepção porque o filme humaniza Trump. Quando começa a entrar nos círculos de elite de Nova York, por exemplo, ele expõe uma inadequação social que quase o torna simpático – o que rende o melhor momento cômico do filme: o encontro de Trump e Andy Warhol em uma festa muito louca na casa de Cohn.

A visão empresarial de Trump também é apresentada com equilíbrio. Sim, ele recorreu a esquemas desonestos (orquestrados por Cohn) para conseguir isenções fiscais da prefeitura. Mas sua obstinação em abrir hoteis de luxo em Nova York nos anos 1970, quando a cidade estava praticamente falida, demonstra visão e ousadia.

Pelo menos até metade do filme, quase parece que Trump poderia ter sido outro homem e outro empresário se não houvesse encontrado Cohn. É o advogado, afinal, quem lhe ensina que só a vitória interessa – não importa a que custo. 

Para conquistar a vitória, Cohn mandava seguir três regras: manter-se sempre no ataque, negar toda e qualquer acusação; e nunca, nunca admitir derrota. 

No final da vida, debilitado pela doença, o mestre verá até onde seu dileto aprendiz levaria essas regras implacáveis. Por mérito sobretudo da interpretação de Jeremy Strong, o filme ganha uma inesperada dimensão trágica.

Ainda estamos por ver o ato final dessa tragédia.