Uma possível fusão entre as Lojas Renner e a Marisa — hipótese aventada no fim de semana pela coluna Radar, na última edição de VEJA — foi recebida com um misto de interesse e ceticismo por gestores e analistas consultados por VEJA Mercados.
Parece haver dois consensos a respeito da ideia: primeiro, o de que um casamento entre as duas seria altamante complementar; segundo, o de que a governança da empresa resultante seria crucial para o sucesso de qualquer combinação. Alguns gestores também expressaram dúvidas de que o momento atual seja o mais apropriado para uma fusão.
Uma coisa é certa: a complementariedade entre as duas redes — dois tótens do varejo nacional — é de tirar o fôlego. A Marisa tem uma marca muito forte, principalmente junto à classe C, enquanto a Renner opera numa faixa de renda acima. A Marisa tem mais presença em lojas de rua; a Renner é mais forte nos shopping centers. No Nordeste, a Marisa é maior e mais conhecida; a Renner ainda tem mais chão para percorrer na região. A empresa resultante da fusão seria um colosso, somando as 407 lojas Marisa às 217 lojas Renner do proverbial Oiapoque ao Chuí.
A Renner está no meio de uma reformulação total de sua logística, criando uma espécie de “just in time” para a entrega de mercadorias. Hoje, suas araras (com as roupas) já vão prontas do centro de distribuição para as lojas, com uma grade de produtos pré-definida. Quando essa grade não se mostra a mais adequada para determinada loja, a logística de transferir mercadoria de uma loja para outra é muito cara. Assim, camisetas amarelas, por exemplo, podem sobrar numa loja e faltar em outra, forçando a Renner a ‘liquidar’ as amarelas num lugar (perdendo margem) enquanto deixa de vender com ‘margem cheia’ em outra.
Com o novo sistema que a empresa está introduzindo, conhecido como ‘push and pull’, a maior parte do estoque fica centralizada no centro de distribuição e os itens vendidos são repostos mais rapidamente e individualmente, não mais com a grade completa. A Renner também está reformulando o mix da Camicado — suas lojas de cama e mesa — de forma a aumentar sua produtividade por loja e acelerar sua expansão. As ações da Renner estão em alta de 15% nos últimos 12 meses.
Enquanto isso, a Marisa tem apresentado os resultados mais fracos dos últimos anos. O primeiro trimestre deste ano mostrou alguma inflexão, com a empresa melhorando sua margem bruta e ganhando dinheiro em sua financeira. Apesar dessa melhora nos resultados, a Marisa teve o menor crescimento de vendas entre os seus concorrentes. No conceito de vendas nas ‘mesmas lojas’ (aquelas abertas há mais de um ano), a Marisa cresceu apenas 1%, comparado com os 5,4% da Renner e os 7% da Guararapes, a dona das lojas Riachuelo. Os resultados mostram que a Marisa preferiu perder vendas a perder margem, dizem analistas. As ações da Marisa estão em queda de 27% nos últimos 12 meses.
“A Marisa precisa de uma gestão como a da Renner, [mas] o problema é que a Marisa pertence a uma família”, diz um analista de mercado.
Uma fusão poderia enriquecer os acionistas de ambas as empresas ao colocar a operação da Marisa, hoje comandada por Marcio Goldfarb, nas mãos do CEO da Renner, José Galló, de longe o executivo mais admirado do varejo nacional. No comando da companhia há 22 anos, a trajetória profissional de Galló se confunde com a transformação da Renner de uma tímida rede familiar e local em uma cadeia nacional que serve de métrica para todas as empresas do setor.
Assumindo que os dois lados queiram mesmo trocar alianças, talvez o maior obstáculo para uma fusão seja a governança da nova companhia.
A Renner vale em Bolsa 8,7 bilhões de reais. A Marisa, 2,8 bilhões de reais. Se as empresas fizessem uma troca de ações a valor de mercado, os acionistas da Marisa, coletivamente, teriam 24% da nova empresa. Os diversos membros da familia Goldfarb, que detém 74,6% do capital da Marisa, se tornariam donos de quase 18% da nova companhia.
“Na governança da nova empresa, a família Goldfarb poderia ficar com uma posição de destaque no conselho, só não poderiam subordinar o Galló, até porque isso seria bizarro: o melhor executivo do setor respondendo a uma família cujo negócio não está indo muito bem,” diz um banqueiro. “Tenho certeza que o Galló adoraria ter a Marisa, só não adoraria ter os Goldfarb no pescoço dele.” Em 2008, a Renner quase comprou as Lojas Leader, seu trampolim para a classe C, mas Galló recuou na última hora, receoso de endividar muito a Renner no meio de uma crise financeira global que parecia apocalíptica.
Uma conversa anterior sobre fusão — antes do IPO da Marisa — esbarrou na vontade dos Goldfarb de receber ações da Renner, o que lhes daria, na época, senão a maioria do capital, uma posição de controle efetivo na empresa, disseram fontes com acesso aos dois lados.
Um analista que conhece bem os dois lados diz que a família Goldfarb nem precisaria pedir um ágio sobre o valor atual de suas ações, pois o mero anúncio da fusão faria com que a nova empresa valesse mais do que a soma do valor de mercado das duas hoje.
Ainda assim, há quem ache que uma fusão neste momento não se encaixa na narrativa que cada empresa está contando aos acionistas.
“Esse papo de fusão vai contra tudo que a Renner tem dito aos [seus] acionistas,” diz um gestor. “Ela tem focado muito na simplificação do negócio, estão sempre batendo nessa tecla. Uma aquisição seria o oposto disso, porque a integração de uma aquisição não é uma coisa simples.”
Um outro analista diz que entende essa crítica, mas rebate: “A oportunidade de construir o que a Marisa tem agora… todas essas lojas.. o Galló dificilmente teria. É só incluir a Marisa no programa de simplificação.”