O movimento dos caminhoneiros continua a causar desabastecimento e a produzir no Brasil cenas típicas de Caracas.

Agora que a Petrobras já deu sua contribuição para o fim do movimento — a um custo terrível para a companhia — muita gente acha que está na hora dos governadores darem sua cota.

Assim como a União, os estados também estão na pindaíba e dizem não poder reduzir o ICMS.

No entanto, a apreciação do dólar e o aumento do barril do petróleo estão empurrando a arrecadação de todos os entes governamentais — União, Estados e municípios — para bem acima do esperado para este ano.

Uma conta feita por especialistas mostra que, tomando-se por base o preço de US$ 71 o barril e o câmbio a R$ 3,40, a arrecadação adicional com royalties e participações especiais será de R$ 13 bilhões no ano fiscal 2018. (Como se vê pelas premissas, a conta é conservadora.)

A arrecadação extra com os bônus de assinatura — há ainda dois leilões marcados para este ano — chega a R$ 14 bilhões.  Total:  R$ 27 bilhões.

Estes recursos adicionais possibilitariam uma redução do PIS/Cofins em até R$ 0,49 por litro se o benefício for aplicado integralmente ao diesel.  Seria uma medida paliativa para o País atravessar o ano.

Obviamente, qualquer redução de impostos nos combustíveis fósseis deveria ser acompanhada de forma proporcional nos renováveis, para garantir a competitividade do etanol e não incorrer no mesmo erro dos governos Lula e Dilma, que destruíram o setor deixando a gasolina congelada.

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O movimento dos caminhoneiros é a expressão do que os economistas chamam de ‘conflito distributivo’.  Em outras palavras: tendo em vista um aumento de custos na economia, quem paga a conta?  Os caminhoneiros dizem ‘eu não’, e passam a conta adiante: para a Petrobras e para o Governo.  Como toda a sociedade consome combustíveis — e como o preço de tudo é afetado pelo preço da gasolina — o movimento conta com simpatia popular, mas isso não muda os fatos:  houve um aumento de custos na economia.  Quem paga a conta?

A propósito, como a colunista Miriam Leitão notou hoje, o dínamo do movimento são os empresários do setor, e não os caminhoneiros autônomos.  Neste sentido, trata-se mais de um ‘lockout’ do que de uma greve. 

Até agora, os caminhoneiros se deram bem.  Botaram pressão e a Petrobras cedeu.  O Governo — que se move a passo de cágado — também já se mobilizou.

Mas é bom os caminhoneiros não beberem ao volante e se encantar com o sucesso: assim que faltar comida no supermercado, passarão de herois a bandidos antes que você possa dizer ‘Jimmy Hoffa’

No Rio de Janeiro, na rede Hortifruti já não há mais chuchu, cenoura, batata, e nenhum tipo de verdura. 

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Enquanto o País aguarda a próxima carreta no posto de gasolina, talvez seja uma boa hora para refletir sobre a necessidade de se quebrar o monopólio do refino.

O setor de refino é o único onde a Petrobras é 100% monopolista:  concorrência zero. 

Como parte de seu plano de desinvestimento, a estatal já anunciou que vai criar dois ‘clusters’ logísticos incluindo refinarias (um no Sul, outro no Nordeste), e pretende vender 60% destes clusters.

Dada a confusão dos últimos dias, vender estes ativos ficou mais difícil no curto prazo, mas, quando as coisas se normalizarem, a Petrobras deveria ser mais ousada e vender 100% das refinarias, tornado-se uma empresa focada na exploração e produção.

Além de injetar concorrência no setor (com benefícios para toda a economia), isso acabaria com a crítica de que o Governo dá liberdade de preço a uma empresa monopolista.

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Numa coisa todos temos que concordar com os caminhoneiros: a decisão do presidente do Senado, Eunicio de Oliveira, de viajar para o Ceará no meio dessa tempestade de xisto é uma espécie de caricatura da falta de tato de muitos políticos com a sociedade.  Espera-se que os cearenses enxotem Eunicio de volta para Brasilia.

Igualmente infeliz foi a entrevista dada pelo vice-presidente do Senado, Cassio Cunha Lima, pedindo a cabeça de Pedro Parente.

“Se o Pedro Parente não aceitar rever a política de reajuste, que ele saia da Petrobrás ou o presidente da República exerça o mínimo de autoridade,” o senador disse à agência Estado. “Um governo minimamente sólido já o teria demitido. Com todo respeito a ele, a Petrobrás não é maior do que o Brasil, nem o Pedro Parente é maior do que a Petrobrás.”

Cassio Cunha Lima não tem ‘todo respeito’ que diz ter.  Pode-se até discordar das decisões de Parente, mas ele já demonstrou mais patriotismo do que virtualmente qualquer senador da República.