Ao completar a doação de metade de sua fortuna, Warren Buffett publicou uma série de reflexões pessoais – e extremamente íntimas – sobre o assunto. 

Abaixo, sua visão sobre a relação do homem com o dinheiro e a vida.

Minha situação pessoal

A coisa mais fácil do mundo é doar dinheiro que nunca terá qualquer utilidade real para você ou sua família. O ato de doar é indolor e pode até levar a uma vida melhor melhor tanto para você quanto seus filhos.

O segundo passo ao desembolsar grandes somas é mais desafiador, particularmente quando o objetivo é focar em problemas cruciais que historicamente têm sido difíceis de resolver. O problema das armas de destruição em massa continua do mesmo tamanho. Será que a filantropia privada pode reduzir as ameaças para a sociedade que o mundo cibernético apresenta?

O meu próprio caso ilustra o primeiro ponto – que é também o mais grave. Ao longo de muitas décadas, acumulei uma soma quase incompreensível simplesmente fazendo o que amo fazer.  Nem eu nem minha família fizemos nenhum sacrifício. Juros compostos, muito tempo de estrada, sócios maravilhosos e nosso país incrível simplesmente fizeram a sua mágica. A sociedade tem um uso para o meu dinheiro; eu não. 

Por favor, compreendam que essas minhas observações não são o canto do cisne; eu continuo no trabalho que eu amo, fazendo o que eu gosto, ajudado por pessoas que eu gosto e trabalhando para investir a economia das pessoas que confiaram em mim. Eu ainda gosto de estar em campo e correndo com a bola. Mas é óbvio que estou num jogo que, para mim, já passou do segundo tempo e foi para a prorrogação. 

Os filantropos mais admirados

Uma forma muito mais admirável de filantropia que a minha envolve doar tempo e esforço. Eu mesmo fiz isso pouco. 

Aqueles que dão seu amor e seu tempo para ajudar diretamente os outros – e às vezes um dinheiro que seria usado no consumo – são os verdadeiros heróis da filantropia. A América tem milhões de pessoas assim. 

Essas pessoas não são reconhecidas – apesar de mentorarem os jovens, ajudarem os idosos ou dedicar horas preciosas à melhora de sua comunidade. Ninguém coloca seus nomes nos prédios, mas essas pessoas silenciosamente fazem essas instituições – escolas, hospitais, igrejas, bibliotecas, o que quer que seja – funcionar perfeitamente para beneficiar aqueles que tiveram pouca sorte na vida. 

Eu não doei meu tempo ou energia na mesma proporção que essas pessoas. 

Um contraste dentro da minha família

Minha irmã mais velha, Doris, que morreu no ano passado, usou tanto seu coração quanto sua cabeça para ajudar milhares de pessoas, uma a uma. Eu chamava aquele trabalho dela de “filantropia no varejo”. Já eu escolhi o caminho muito mais fácil — o “atacado” — em grande parte dependendo das cinco fundações que selecionei em 2006. Deleguei a elas o trabalho duro. 

Depois de 16 anos executando meu plano, estou satisfeito com os resultados. Cada uma das cinco fundações fez o seu caminho e todos os seus líderes trabalham duro e com muita eficácia. Meu próprio envolvimento tem sido essencialmente zero, o que me permite fazer o que eu amo. 

(…)

A filantropia agora é um assunto quente

A atenção que está sendo dada ao assunto é apropriada – uma razão sendo que boa parte das contribuições filantrópicas podem ser deduzidas do imposto de renda do doador. Esse benefício, no entanto, está longe de ser automático. 

No meu caso, os US$ 41 bilhões em ações da Berkshire que doei para as cinco fundações reduziram meu imposto em apenas 40 centavos para cada US$ 1 mil doados. Isso acontece porque eu tenho relativamente pouca renda. Meu patrimônio permanece quase completamente aplicado em negócios que pagam impostos e nos quais eu participo por meio da Berkshire, que regularmente reinveste os lucros para aumentar a produção e a geração de empregos.

A renda que eu recebo de outros ativos me permite viver como quero. Minhas necessidades são simples; o que me fazia feliz aos 40 me faz feliz aos 90.

Ainda assim, as deduções no imposto de renda são importantes para muita gente – particularmente para os muito ricos –, que doam grandes quantidades em dinheiro ou ações para filantropia. É apropriado que o Congresso revisite periodicamente a política fiscal para as contribuições filantrópicas, particularmente no que tange a doadores com estratégias criativas.

Em que ponto de suas vidas os mais ricos deveriam abraçar a filantropia?

Minhas 16 contribuições anuais para as cinco fundações que escolhi valiam US$ 41 bilhões quando foram desembolsadas. Seguindo minhas instruções, os recursos foram gastos ou comprometidos imediatamente.

Se eu tivesse esperado para doar as ações, elas teriam levado US$ 100 bilhões para as cinco fundações. Então a questão passa a ser: a sociedade teria se beneficiado mais se eu tivesse esperado mais tempo para distribuir as ações?

Minha primeira mulher e eu estávamos totalmente em sintonia com relação a nossos objetivos filantrópicos. Ela, no entanto, era a favor de doar grandes somas quando ainda éramos jovens – quando nosso patrimônio era uma pequena fração do que se tornou. 

Eu decidi esperar, convencido de que o tempo faz o dinheiro crescer. Também estive limitado por meu desejo de manter o controle da Berkshire. Foi só depois da morte de minha mulher, aos 75, que eu pisei no acelerador.

Decidir quando mudar a marcha – de acumular os recursos para efetivamente doá-los – é um cálculo complicado que considera a natureza dos ativos envolvidos, as dinâmicas familiares, e o instinto raramente confesso de não “abrir mão”. Definitivamente, não há uma fórmula única para todos.

A riqueza hereditária continua a ser uma opção na América

O “comportamento de dinastia” é menos comum aqui do que na maioria dos países, e seu apelo provavelmente ainda vai cair mais. 

Depois de prestar muita atenção no comportamento das famílias bilionárias, eis minha sugestão: deixe às crianças o suficiente para que elas possam fazer qualquer coisa, mas não o suficiente para que possam fazer nada.
 
Fico feliz em ver que meus três filhos – agora nos seus 60 anos – praticam sua filantropia usando seu tempo e seu dinheiro. Mais importante: eles estão felizes por estar ajudando os outros diretamente. Eles puxaram a mãe.

Conclusão

Sou otimista. Ainda que os céticos sejam muitos – como tem sido ao longo da minha vida – os melhores dias na América certamente ainda estão por vir. O que aconteceu aqui desde 1776 não foi um soluço da História.

A filantropia vai continuar a unir o talento humano com os recursos financeiros – da mesma forma que as empresas e o governo. Cada uma dessas instituições tem seus pontos fortes e fracos. Mas juntos, eles tornarão o mundo um lugar melhor – muito melhor – para as futuras gerações.