Na tecnologia, impera a Lei de Moore: as inovações ocorrem em um ritmo a cada dia mais acelerado, e os custos são declinantes.
Na biotecnologia, ao contrário, as descobertas de novos medicamentos para doenças ainda sem cura têm se tornado processos mais lentos e mais dispendiosos. É a ‘Lei de Eroom,’ uma brincadeira com o nome Moore escrito de trás para a frente.
A Recursion, uma empresa de deep tech que acaba de receber um investimento de US$ 50 milhões da Nvidia, usa modelos de inteligência artificial para transformar a lógica da descoberta de novas terapias. A ciência computacional precede a biologia.
Em vez de desenvolver moléculas ou compostos que possam ser efetivos contra as doenças, a Recursion se vale de modelos de inteligência artificial para simular a interação dos milhares e milhares de compostos orgânicos e elementos químicos de sua gigantesca base de dados. Depois as moléculas identificadas são levadas ao laboratório e aos testes clínicos para serem testadas na prática.
Fundada há 10 anos por um trio de pesquisadores, a empresa possui em seu acervo as informações sobre como se relacionam mais de 3 trilhões de genes e compostos químicos e biológicos. São 23.000 terabytes de dados que podem ser acessados.
Os seus modelos geram continuamente imagens de alta definição dos experimentos biológicos. O objetivo central é encontrar tratamentos para doenças genéticas raras e certos tipos de câncer.
Agora, trabalhando em parceria com a Nvidia, a Recursion ganhará uma plataforma mais potente para treinar os seus modelos, além de poder contar com toda a experiência da big tech no desenvolvimento de aplicações de inteligência artificial. A relevância do negócio, portanto, não está tanto nos dólares que serão aplicados na Biotech, mas na troca de experiências e conhecimento em IA.
“Essa colaboração tem o objetivo de criar modelos inovadores em biologia e química, estabelecendo novos parâmetros na pesquisa biológica,” Ben Mabey, o chief technology officer da Recursion, disse ao Brazil Journal. “São duas empresas em posições de liderança em suas atividades, que vão trabalhar lado a lado para enfrentar esse desafio formidável que é a descoberta de medicamentos.”
Desde o anúncio da parceria, há duas semanas, as ações da biotech mais do que dobraram de valor.
Entre os seus clientes e parceiros nas pesquisas estão dois nomes da big pharma, a Roche e a Bayer.
Três das terapias de sua pipeline já se encontram na fase dois de desenvolvimento. Todas relacionadas a doenças raras – malformação cavernosa cerebral, polipose adenomatosa familiar e neurofibromatose tipo 2. Em oncologia, há um tratamento para tumores de fígado e de ovário que acaba de concluir a fase 1.
A empresa não emite estimativas a respeito de quando deverá fazer o primeiro lançamento no mercado de algum dos medicamentos de sua pipeline.
“Não conseguimos falar em datas, mas temos a intenção de acelerar o treinamento de nossos modelos usando a nuvem da Nvidia,” afirma Mabey.
Mas o futuro da Recursion não depende necessariamente de ser bem-sucedida na descoberta de novos medicamentos, ao contrário das farmacêuticas tradicionais. Trata-se, no fundo, de uma empresa de tecnologia cujo valor está na sua plataforma de dados e das suas ferramentas de inteligência artificial.
“Os modelos conseguem testar de forma recursiva e exaustiva a interação dos compostos, algo que seria humanamente impossível de ser feito nos laboratórios tradicionais,” diz Guy Perelmuter, fundador e CEO da Grids Capital, gestora focada em startups de deep tech. “A Recursion oferece a oportunidade de acelerar os processos no topo do funil, fazendo em dias um trabalho que poderia levar mais de ano.”
Em processo de conclusão da captação de seu terceiro fundo, a Grids investiu na Recursion em seu primeiro fundo, em 2017, antes de a empresa abrir o seu capital, o que ocorreu em 2021.
A Nvidia poderá licenciar os modelos de IA para empresas de biotecnologia por meio da BioNeMo, um serviço de IA generativo lançado no início do ano pela big tech cujo público são justamente os pesquisadores que trabalham na descoberta de novos medicamentos e tratamentos.
“O investimento da Nvidia corroborou as teses e o modelo de negócios da Recursion. O acordo foi positivo para as ações das duas empresas,” afirma Perelmuter. “Representa a face pública da capilaridade do impacto da IA em diferentes áreas.”
A empresa, cuja sede fica em Salt Lake City, está vendendo para a Nvidia 2,7 milhões de suas ações Classe A, o equivalente a 4% do capital.
A empresa ainda não dá lucros e depende de novas captações para manter as suas operações, como destaca a Goldman Sachs em um relatório recente. É algo que pode impedir o desenvolvimento das pesquisas. Além disso, diz a Goldman, existe um “cenário de competição acirrada” na corrida pela descoberta de novos tratamentos médicos.
O IPO da Recursion foi em abril de 2021. O pico de suas ações foi em julho daquele ano, quando passaram de US$ 40. Os papéis caíram para perto de US$ 5 no ano passado e ficaram andando de lado nos últimos meses. As ações, beneficiadas pelo deal com a Nvidia, estão hoje acima de US$ 14.