O título é Alquimia – O poder surpreendente das ideias que não fazem sentido (Objetiva; 360 páginas, Compre aqui). Mas só na página 133 explica-se o que essa esotérica ciência medieval tem a ver com o argumento do livro.
Os alquimistas ambicionavam, entre outras coisas, converter metais vagabundos em ouro. A ciência moderna enterrou essas fantasias – mas estava errada, ensina o livro. É possível, sim, transformar ferro em ouro.
Até aqui, essa conversa talvez soe como a pregação de algum líder de seita milionário – um Rajneesh ou um L. Ron Hubbard.
Nada disso: o publicitário inglês Rory Sutherland, autor do livro, propõe apenas que, na vida profissional, as pessoas com quem convivemos e negociamos nem sempre tomam decisões estritamente racionais. E que por isso há boas razões para agir de forma aparentemente ilógica.
Do ponto de vista da física, não é possível transformar chumbo em ouro. Mas isso é possível no campo da psicologia, de acordo com Sutherland. “O valor está na mente e no coração do valorizador,” diz ele.
O livro, lançado já faz um ano, traz um exemplo histórico: em 1813, a princesa Marianne da Prússia conclamou a nobreza a doar suas joias para financiar a guerra contra a França de Napoleão. Quem fazia a doação recebia broches e anéis de ferro com a inscrição “Gold gab Ich für Eisen” (“dei ouro por ferro”).
A ostentação dessas peças baratas adquiriu então um valor único: indicava que sua proprietária era não apenas rica, mas patriota. Uma dupla sinalização de virtude.
Vice-presidente do braço britânico da Ogilvy, Sutherland puxa exemplos sobretudo do universo do marketing, que busca modificar a percepção dos consumidores sobre o valor das coisas. Entre os achados que ele diz serem ilógicos está o fato de que baixar o preço de um produto pode prejudicar suas vendas.
Isso é óbvio no mercado de produtos de luxo. Mas itens mais comezinhos também respondem de forma ilógica à precificação. Sutherland conta a história de uma amiga que criava estratégias para fidelizar o público de um teatro de Londres. Ela acabou descobrindo que, quando se ofereciam ingressos mais baratos por telefone, as vendas eram menores, pois os potenciais compradores desconfiavam que a peça em cartaz seria ruim.
Como é de praxe em obras de auto-ajuda corporativa, Alquimia traz uma lista de mandamentos básicos. “A lógica não compensa se todos os outros (também) são lógicos,” diz uma das “onze regras da alquimia”.
A ilustração maior dessa máxima é o Red Bull. Sutherland fala do energético já no prefácio, e retorna ao case 220 páginas depois.
Se um comitê de uma indústria de bebidas não alcoólicas se reunisse para criar um produto sério para a Coca-Cola, provavelmente pensaria em uma bebida gostosa que viesse em uma garrafa grande, para melhorar o custo-benefício do comprador. Sutherland admite que ele mesmo seguiria esse caminho convencional.
O Red Bull, no entanto, é amargo e vem em uma lata pequena. Esses atributos supostamente negativos ajudariam a “hackear o inconsciente” do consumidor. Sutherland sugere que o energético tem as qualidades de um bom placebo, aquela substância inócua que nos induz ao bem-estar: “é caro, tem gosto esquisito e vem em ‘dose limitada’”.
Alquimia soterra o leitor em histórias, casos e anedotas que ilustram o poder das tais ideias ilógicas. Três exemplos:
- Os engenheiros da Sony criaram um protótipo do walkman – um ícone dos anos 1980 – que tinha gravador, mas ele se tornou um produto mais atraente porque essa função foi descartada no modelo que chegou ao mercado.
- Os móveis da Ikea (cliente da Ogilvy) venderiam menos se fossem mais fáceis de montar.
- O tipo de envelope usado para enviar um pedido de doação para uma organização filantrópica influencia o valor doado.
No exame das particularidades de cada caso, porém, Sutherland acaba desvendando motivos bem razoáveis – embora pouco convencionais – para que as coisas funcionem assim. Na verdade, o termo “ilógico” é empregado de forma meio frouxa em Alquimia. A palavra mais apropriada talvez fosse “contra-intuitivo”.
Sutherland até se ampara na ciência para defender suas ideias alquímicas. Recorre, por exemplo, à psicologia evolutiva de matriz darwinista para explicar o comportamento de consumidores e a um interessante artigo do físico alemão Ole Peters sobre séries temporais na economia.
A bronca maior do autor é com economistas que fazem projeções de mercado ignorando o comportamento humano e com tecnocratas que orientam empresas ou órgãos públicos a partir de pesquisas padronizadas.
“O iPhone foi desenvolvido não em resposta a uma demanda do consumidor ou após repetidas pesquisas com grupos de foco,” dispara o publicitário. “Ele foi a criação monomaníaca de um homem meio maluco.”
Alquimia é um livro um tanto errático na maneira como vai desenvolvendo suas ideias, entre anedotas do mundo empresarial e frases de efeito do autor. Mas é também uma leitura instigante e divertida, pontuada por uma ironia muito britânica. Pode valer a pena aceitar o convite de Sutherland para desafiar a lógica – de vez em quando, com cautela.