As sandálias Havaianas, um dos ícones da moda brasileira, estão prestes a mudar de mãos (ou de pés).
Enrolada na Lava Jato, a empreiteira Camargo Corrêa anunciou que está disposta a vender a Alpargatas, a fabricante e dona das Havaianas — um negócio que sempre pareceu exótico no portfólio do grupo, mais conhecido por suas participações em estradas de pedágio (CCR), distribuidoras de energia elétrica (CPFL) e fábricas de cimento.
As próximas semanas mostrarão quem vai calçar as sandálias da oportunidade.
De acordo com o Estadão, os fundos de private equity Carlyle e KKR estão preparando ofertas pela empresa, que vale 3,4 bilhões de reais na Bovespa. Com o dólar a R$4, o Brasil ficou relativamente barato para quem tem um horizonte de cinco a dez anos, o que dá um certo favoritismo a fundos deste tipo.
Qualquer investidor financeiro que comprar a Alpargatas deve aplicar a receita de bolo clássica: corte de custos, venda de ativos não-estratégicos, foco em algumas marcas, além de alguma mudança incremental no modelo de negócios.
Um outro pretendente seria a Grendene, que tem mais de 1 bilhão de reais ‘presos’ em seu caixa: o dinheiro não pode ser distribuído aos acionistas como dividendos porque a Grendene obteve o lucro ajudada por incentivos fiscais. Uma aquisição da Alpargatas resolveria este problema, mas criaria outro maior ainda: a principal marca de sandálias da Grendene, a Ipanema, é a maior concorrente das Havaianas, e um casamento entre as duas geraria uma empresa com 80% do mercado de sandálias de borracha. O CADE, cujo trabalho é vigiar concentrações de mercado que prejudiquem o consumidor, certamente se interessaria pelo assunto.
Alguns gestores acham que a Arezzo — que vende calçados sofisticados que já apareceram na série americana ‘Gossip Girl’ e mostra suas coleções nas maiores feiras de moda do mundo — tem pouco a ver com as Havaianas, um produto básico, feito a partir de uma injeção de borracha e com pouca diferenciação.
Mas para outros, um casamento entre Arezzo e Alpargatas geraria valor para os acionistas de ambas, já que muitas das melhores práticas da Arezzo poderiam ser levadas para a Alpargatas.
Por exemplo: apesar de imensa, a operação de varejo da Alpargatas — 688 lojas, sendo 536 da marca Havaianas — contribui pouco para o resultado da empresa. A Arezzo, cujo negócio é todo baseado em franquias, poderia aumentar a rentabilidade deste negócio. A Arezzo também poderia otimizar a estrutura industrial da Alpargatas, que o mercado considera pesada e ineficiente. A Arezzo manda fazer fora de casa 91% dos produtos que vende.
A Arezzo já demonstrou interesse pela Alpargatas. De acordo com bancos, Anderson Birman, o fundador da Arezzo e hoje presidente de seu conselho, já teve diversas reuniões com a Alpargatas nos últimos anos, mas as conversas nunca evoluíram.
“Eles [a Arezzo] são muito preocupados com a questão da governança, com quem é que decide a estratégia da empresa, e nunca chegaram a um acordo,” diz uma fonte familiarizada com as conversas.
Apesar da lógica econômica, o casamento enfrentaria alguns obstáculos, a começar pelo valor das duas empresas. Apesar de ser menos rentável que a Arezzo e negociar a múltiplos mais baixos, ainda assim a Alpargatas tem um valor de mercado quase o dobro do da Arezzo: 3,4 bilhões de reais contra com 1,8 bilhão de reais.
Assim, uma ‘fusão entre iguais’ diluiria muito os acionistas da Arezzo, o que não é do interesse da família Birman, que controla a empresa com 52,5%.
“Como qualquer empresa ‘de dono’, o único incentivo do Anderson [Birman] é fazer a melhor transação para os seus acionistas,” diz um gestor. “Já os fundos de private equity podem acabar pagando mais do que a empresa vale, e não seria a primeira vez.”
Outro comprador em potencial seria algum player internacional, como a V.F. Corporation, uma empresa que vale 30 bilhões de dólares na Bolsa de Nova Iorque e cujas marcas incluem The North Face, Vans, Timberland, Wrangler e Nautica.
Além das Havaianas, quem levar a Alpargatas levará também um portfólio de marcas que inclui Topper, Mizuno, Rainha e Timberland, entre outras. A Alpargatas também é dona de 60% da Osklen, a maior marca nacional de moda lifestyle de luxo.
“Apesar de ganhar crédito por ter desenvolvido uma mega marca, essa empresa [a Alpargatas] é conhecida por deixar dinheiro na mesa e por gastar dinheiro onde não deveria, seja por uma estrutura de management inchada, seja por manter marcas que geram um resultado negativo,” diz outro gestor que já teve ações da Alpargatas na carteira. “Acho que a oportunidade ali é imensa pra um comprador que faça uma melhor gestão fabril, gestão de canal, e também pelo lado do desinvestimento: eles deveriam sair da Argentina, sair das marcas esportivas.”
Abaixo, a composição do capital da Alpargatas, que a Camargo Corrêa controla com 67% das ações com direito a voto. A maioria das ações nas mãos dos investidores — o chamado ‘free float’ — são ações não-votantes, e não têm, pelo estatuto, direito a receber o mesmo preço que será pago aos acionistas controladores (o ‘tag along’).