A ordem mais frequente na Bolsa nos últimos dias foi a ordem que os traders chamam de ‘ZEM’.   

Zera.  Essa.  M.

No primeiro teste da safra recente de IPOs, o mercado começou a separar o joio do trigo — e muita empresa já caiu 30% do topo.

“Tem uma questão técnica nesses IPOs, que tinham pouca liquidez,” diz um gestor. “Teve muita gente entrando pesado nessas ofertas, ou que compraram depois, e na hora do pânico ninguém quer comprar. Para conseguir sair, tem que jogar o preço lá pra baixo até aparecer comprador.”

Para outro, o posicionamento técnico do mercado estava ruim. “Todo mundo estava muito comprado em bolsa, pessoa física, fundos… Então tinha muita coisa, principalmente tech, com valuation errado,” disse ele. 

Depois da queda dos últimos dias — que atingiu principalmente os IPOs recentes e as empresas de tech — o Ibovespa negocia hoje ao redor de 7x o lucro estimado para as empresas nos próximos 12 meses, um patamar semelhante ao do início da pandemia em março de 2020 ou da crise financeira global de 2008. 

Mas o índice, como sempre, mistura laranjas e abacates.

As empresas ligadas a commodities — como Petrobras, Vale e as siderúrgicas — respondem por cerca de 25% do índice, e, como estão com lucros muito elevados, “elas acabam trazendo o múltiplo para baixo”, explica um gestor. 

Tirando essas empresas da conta, a Bolsa está ao redor de 12x lucro dos próximos 12 meses — também um patamar semelhante ao do início da pandemia e a 2014, o ano da reeleição de Dilma. 

“Já tem gringo ligando para perguntar o que está acontecendo,” diz um gestor.  No pico de 130 mil pontos em junho, o P/L era de 15x, próximo à média dos anos anteriores (excluindo-se da conta a queda dramática da pandemia.) 

Obviamente, comparar o múltiplo de hoje com o do início da pandemia embute uma pequena cilada.  Não se sabe se a fotografia do múltiplo lá de trás já embutia a revisão (para baixo) das estimativas de lucros das companhias.  E hoje, apesar de Bolsonaro e da variante delta nos EUA, a expectativa de lucros das empresas é crescente. 

Qualquer que seja o valuation implícito nos preços, o fato é que o cenário de confiança que existia até meados de junho, quando o Ibovespa atingiu os 130 mil pontos, foi gradualmente minado pelo ruído político avassalador, a situação fiscal “fora de controle” e a inflação em alta, com reflexo nos juros futuros. 

Esta semana, o índice perdeu o patamar de 120 mil pontos — levando a queda acumulada desde o pico em 14 de junho para 9,5%. 

O banho de sangue está afetando principalmente os IPOs recentes, as empresas de tecnologia — que têm grande parte do seu valor no futuro — e empresas do setor financeiro.  

“Tudo que tiver duration longo em cenário de taxa de juros em alta sofre mesmo. É o pior dos mundos para as growth stocks”, diz um gestor.

Os IPOs recentes estão derretendo: só no acumulado de agosto, Méliuz cai 32%, Enjoei, 25%, e GetNinjas, 38%. A Oncoclínicas, que fez IPO semana passada, caiu 9% só hoje.

“O mercado acelerou em queda mas bateu no poderoso suporte do Ibovespa em 116.400 pontos. Caso respeite o patamar, podemos ter um repique de curto prazo. O mercado ainda está  longe de reversão, mas com certeza é um bom ponto de parada,” diz um profissional.

O problema é se a queda continuar.

Os fundos que captam primordialmente em plataformas de varejo tiveram captação recorde nos últimos meses, durante um período de euforia de mercado. Isso, agora, implica em clientes com perdas significativas num curto espaço de tempo — muitos deles, neófitos na Bolsa.  

Por mais que a educação financeira tenha crescido no Brasil, o risco de uma onda de resgates não deve ser desprezado. 

“Acho que teve gente vendendo inclusive para se preparar para o caso de isso acontecer,” diz um gestor.