A tragédia do Rio Grande do Sul chocou o Brasil, mas a capacidade dos gaúchos de se mobilizar para ajudar os vizinhos impressionou ainda mais.

Um desses grupos que está arregaçando as mangas são os voluntários do Instituto Cultural Floresta, uma organização da sociedade civil criada e tocada apenas por empresários do estado.

Assim que a tragédia começou – com as enchentes engolindo cidades e ilhando pessoas – o Floresta comprou 375 antenas Starlink com doações de seus voluntários, ajudando a restabelecer a comunicação em diversas zonas afetadas.

Leonardo FraçãoNão foi fácil.

Quando as Starlinks chegaram, ninguém conseguia habilitar as antenas porque o Floresta não tinha um cartão de crédito internacional, disse Leonardo Fração, um dos fundadores do Floresta e sócio da Nebraska Capital, um multifamily office.

“Tivemos que ligar para o banco e pedir para eles abrirem uma conta internacional PJ com urgência,” disse ele. “Em 6 horas já tínhamos a conta aberta.”

Outro problema surgiu: a política da Starlink limitava a ativação a cinco antenas por cada cartão. Leonardo teve que pedir outro favor: ligou para um diretor da Starlink pedindo uma exceção.

Enquanto isso, voluntários do Floresta botavam seus barcos e jet skis na água para ajudar no resgate das vítimas – um esforço que começou na Região das Ilhas, na divisa entre Porto Alegre e o município de Eldorado, um dos mais afetados pela enchente.

Claudio Goldsztein, um dos voluntários do Floresta que está na linha de frente, começou a fazer resgates perto de uma casa de sua família nessa região engolida pelas águas.

“Essa casa está num terreno que é normal alagar. Em novembro já tinha entrado um pouco de água, mas dessa vez a água subiu muito. Quando passei com o barco em cima, a profundidade mostrava 3,70 metros,” disse Goldsztein, um investidor do mercado imobiliário.

Nos primeiros dias, os resgates se contavam em centenas. “Não tinha nenhuma área seca nas ilhas, então tínhamos que levar as pessoas para Porto Alegre, que fica a uns 15 minutos de barco de lá,” disse ele. “Montamos uma espécie de base de resgate na Usina do Gasômetro, onde depois foram montadas tendas de mantimentos e tendas para receber as pessoas.”

Pedro BartelleOutros empresários também entraram na água. Pedro Bartelle, o CEO da Vulcabrás, disse ao Brazil Journal que quando as enchentes começaram a situação já era “desesperadora.”

“Começamos a ver a água subindo pela região das Ilhas, mas depois ela foi entrando por toda a cidade,” disse ele. “Estávamos desesperados, mas também sentíamos a obrigação de ajudar os outros do jeito que dava.”

Nos primeiros dias, Bartelle usou seu jet ski para fazer salvamentos, e depois passou a ir quase diariamente a um centro de distribuição montado pelo Floresta para receber e distribuir doações. Bartelle também colocou 10 funcionários da Vulcabrás para ajudar na gestão do estoque.

O empresário disse que nos primeiros dias nem teve tempo de pensar direito na tristeza de toda a situação. “Mas agora que a ansiedade vai baixando, a gente vê que tem uma situação muito grave. As águas nem baixaram ainda e os problemas sociais já são muito grandes. Vai ter que ter muito auxílio para reconstruir o estado. Vamos precisar de muita mobilização e de um planejamento inteligente.”

Mathias Kisslinger – um dos maiores proprietários de imóveis comerciais do Rio Grande do Sul – também partiu para a ação. Usou seu barco para ajudar nos resgates e agora está envolvido na arrecadação de recursos para o conserto da bomba 6 da cidade, a responsável por tirar a água do aeroporto de Porto Alegre.

Segundo amigos, Kisslinger sofreu um prejuízo material substancial com a enchente: metade de seus imóveis e uma de suas duas fazendas estão tomados pela água.

Goldztein disse que o que mais o marcou nos resgates foi ter que “convencer as pessoas a abandonar suas casas, se jogar na água e subir na carona do jet ski de um estranho.”

“E o mais chocante foi passar na frente dessas mesmas casas no dia seguinte e vê-las debaixo da água. Foi aí que nos demos conta de que as pessoas que resgatamos podiam ter morrido.”

Claudio GoldzteinFundado em 2017, o Floresta nasceu da união de empresários que queriam reduzir a criminalidade do Estado. A primeira ação foi arrecadar cerca de R$ 20 milhões para comprar novos equipamentos para as Polícias Militar e Civil do Estado, como armas e caminhonetes blindadas.

Três anos depois, o instituto voltou a se mobilizar durante a covid, arrecadando recursos para comprar respiradores e máscaras.

Hoje o Floresta é uma das principais entidades civis atuando de forma organizada na tragédia das enchentes.

A organização já arrecadou mais de R$ 18 milhões, dos quais R$ 8 milhões foram usados na compra das 375 Starlinks, de mais de 2.000 roupas de neoprene, 15 barcos, 5 botes, 2 jet skis, 500 lanternas e centenas de coletes salva-vidas.

A instituição também recebeu mais de 500 toneladas de doações de alimentos, roupas e outros itens – todos enviados para um centro de distribuição improvisado no estacionamento do Iguatemi de Porto Alegre.

De lá já saíram mantimentos para mais de 80 cidades e abrigos no interior do estado, incluindo os municípios de Encantado, Canela, Roca Sales e Muçum.

Agora, com os esforços de resgate mais perto do fim, o Floresta cedeu barcos e jet skis à Polícia, que os usa para combater uma criminalidade que disparou desde o início da tragédia.

Com os R$ 10 milhões que sobraram, o Floresta vai apoiar dois projetos focados no day after: o Reconstrói RS, capitaneado pela família Ling, e o De Volta Para Casa, criado pelo Ciclo do Empreendedor e que vai ajudar as pessoas que perderam tudo a reconstruir suas vidas, com doações de colchões, móveis e cobertores, por exemplo.