Somos filhos de brasileiros comuns, e a primeira geração em nossas famílias em que todos concluíram o ensino superior.
Nossos pais conquistaram uma casa própria só depois de uma idade avançada. Não carregamos uma herança tangível ou intangível que nos abriu portas. Saímos cedo do interior do Brasil para estudar – um de Uberaba, o outro de Presidente Prudente – pois foi isso que nossos pais priorizaram proporcionar para nós.
Ao chegarmos aos 40 anos juntos, fizemos reflexões importantes e focadas, porque tentar pensar em tudo tira a profundidade das coisas. Passamos um tempo tentando entender porque fomos capazes de atingir nossas posições profissionais e, a partir daí, passamos a entender o reflexo disso nas vidas de nossos três filhos.
Entendemos a importância de construir oportunidades que geram progresso pessoal e coletivo. O estudo nos permitiu sonhar e transformar nosso suor em prosperidade. Com nossos trabalhos, ajudamos a gerar empregos, investimos no futuro, cuidamos de quem precisa em certos momentos e garantimos estabilidade e segurança à nossa família. Construir valor para a sociedade é muitas vezes romantizado, mas para nós significou alta energia, dedicação intensa, tomada de risco e decisões muitas vezes solitárias.
A partir de um desejo muito grande de retribuir à sociedade brasileira todas as oportunidades que tivemos, e por reconhecer a importância e o impacto da educação nas nossas vidas, começamos a apoiar projetos educacionais e, com o tempo, testemunhar transformações reais nas vidas de outras pessoas.
Fomos influenciados por quem pensa em mudança estrutural. Essas pessoas nos fizeram amadurecer e nos inspiraram: passamos a sonhar em fazer parte desta mudança.
Ficou claro que seria importante usarmos nossas posições para influenciar e gerar ainda mais mudança no Brasil. Em nossas empresas, entramos de cabeça em impacto estrutural. Somos protagonistas em programas educacionais que mudam a vida de milhares de pessoas todo ano.
Como parte desse processo de entendimento do papel da prosperidade pessoal como meio de apoio à educação, passamos a viver algumas experiências: financiamos a faculdade de enfermagem de uma idosa e o ensino médio de um jovem. Arcamos com os custos de materiais escolares, moradia e experiências internacionais de outros.
Mais do que recursos, dedicamos nosso tempo para mentorar, apoiar, guiar e inspirar jovens estudantes. Aprendemos que poderíamos fazer a diferença por meio da educação. Então chegamos a uma conclusão chave nessa nossa jornada: a maneira como a prosperidade é usada tem mais impacto do que a quantidade deixada.
Passamos a interpretar a ideia de prosperidade como um instrumento de potencialização — e não de substituição — do esforço dos nossos filhos. Nos perguntamos: quais os potenciais impactos de nossos filhos terem a expectativa de uma herança?
Nossas reflexões apontavam para o risco de matar o senso de urgência, a determinação e a capacidade de valorizar as pequenas e grandes conquistas. O risco de gerar identidade pelo patrimônio – em vez da construção pessoal – de desconectá-los da realidade e de gerar uma falta de autonomia na nossa ausência.
Nessa jornada de reflexões lemos muito, das cartas de Warren Buffett ao livro Die with Zero, de Bill Perkins. Aprendemos que deveríamos dar valor aos momentos, buscando mais memórias duradouras do que acumular bens materiais. Descobrimos que a prosperidade pode ser usada para gerar impacto em vida, fortalecendo laços e eliminando o risco de que os filhos se tornem dependentes financeiros.
A partir daí, criamos nossas regras e passamos a enfatizar para nossos filhos: esperem de nós total apoio à educação, mas sua prosperidade será resultado do suor de vocês. Isso virou parte do nosso diálogo cotidiano em casa. Queremos ensinar que o senso de realização aumenta com a relação de causa (educação e trabalho) e efeito (prosperidade).
Com todas essas reflexões chegamos ao nosso planejamento de vida. Aos 40 anos escrevemos nosso testamento para regrar o que acontecerá caso não estejamos aqui nos próximos anos: apoio total à educação deles e base sólida para que desenvolvam sua autonomia e construam uma trajetória.
Dos nossos 50 anos em diante, o testamento atual deixa de ser nosso guia: nossos filhos começam a entrar no mercado de trabalho e, então, passamos a direcionar uma maior parte dos nossos recursos para apoiar a educação. Vamos direcionar fluxos constantes para apoiar pessoas e projetos ligados à educação, para que essas pessoas, junto com nossos filhos, possam criar mais prosperidade para toda a sociedade.
A partir dos 50, doaremos anualmente um percentual fixo de nosso patrimônio até os 80 anos, a partir de quando nossas doações anuais passarão a ser um valor fixo nominal, para que ainda nos restem recursos para cobrir nosso custo até nossa morte.
Doar em vida, com planejamento e propósito, amplia nossa capacidade de contribuir com a educação de quem mais precisa — inclusive como forma de ensinar nossos filhos a fazerem o mesmo. Queremos formar cidadãos comprometidos com a construção de valor não apenas para si, mas para o coletivo.
Mais do que esperar uma herança, queremos que eles se sintam uma parte ativa da construção de um Brasil mais justo, onde a educação seja alavanca de transformação.
Ana Carolina Nomura Barreto é sócia do Mattos Filho. Diego Barreto é CEO do iFood.