Após passar anos sendo tratada como um patinho feio na Bolsa – dada a alta alavancagem e o enorme montante de investimentos a ser feitos – a EcoRodovias, a concessionária responsável por ativos como a Imigrantes e a Ponte Rio-Niterói, parece estar começando a virar o jogo.
Os números de tráfego acima da expectativa este ano, somados a linhas de crédito mais baratas para financiar o capex, fizeram a ação da maior concessionária de rodovias do Brasil disparar mais de 80% desde o início do ano.
Nas últimas semanas, o papel retomou o patamar alcançado no fim de novembro de 2024, quando a ação implodiu 20% após a empresa levar a concessão da Nova Raposo por R$ 2,2 bilhões – R$ 1 bilhão acima da proposta do segundo colocado.
Mesmo assim, com a Selic a 15%, o valor de mercado ainda está longe das máximas alcançadas durante a pandemia.
Para o CEO Marcelo Guidotti, só agora o mercado está entendendo mais a tese da EcoRodovias, depois de passar anos “olhando só uma parte do todo” – leia-se: alta alavancagem e o enorme capex a ser realizado.
(Os principais trechos da entrevista estão no vídeo acima.)
No primeiro tri deste ano, a relação dívida líquida/EBITDA da EcoRodovias chegou a 3,9x, um aumento de 0,4x em relação ao quarto tri, graças ao pagamento da outorga da Nova Raposo, o aumento dos juros e os investimentos em expansão.
Questionado sobre a oferta bem acima dos concorrentes durante os leilões – como foi o caso da Nova Raposo – Guidotti só diz que “todos os projetos foram estruturados para serem rentáveis e os contratos suportam o nível atual dos juros.”
A EcoRodovias teve uma receita líquida de R$ 1,66 bilhão no primeiro tri – alta de 9,7% em relação ao mesmo período do ano anterior. O EBITDA ajustado cresceu 15,3% e chegou a R$ 1,2 bilhão, resultando em uma margem EBITDA de 75,2%, alta de 3,7 pontos ano contra ano.
Somando todas as 12 concessões na carteira, a EcoRodovias precisa realizar R$ 52 bilhões em capex até o fim de todos os contratos. (A título de comparação, a empresa vale R$ 5,4 bilhões na Bolsa.)
Guidotti disse que a percepção de que esse montante de capex é um problema é “equivocada”. Para ele, o volume de investimentos está bem equacionado dentro do planejamento da EcoRodovias.
“Estamos falando de projetos que têm contratos de 30 anos e foram estruturados com base em modelagens robustas e com estrutura de capital já montada,” ele disse ao Brazil Journal.
No início do mês, o Bank of America deu um duplo upgrade para o papel – aumentando o preço-alvo de R$ 4,80 para R$ 9 – citando como positivas as recentes emissões de dívida da companhia com fontes como o BNDES e debêntures incentivadas. Na semana passada, o Citi elevou o preço-alvo de R$ 7,20 para R$ 8,60 e manteve a recomendação de compra.
Segundo o CEO, a alavancagem deve aumentar para 4,2x nos próximos trimestres graças aos pagamentos da Nova Raposo – mas ainda vai ficar abaixo dos covenants de 4,75x. “Os covenants já foram pensados para este ciclo de investimentos,” disse Guidotti.
O CEO argumenta que a alavancagem mais alta é parte do modelo de negócio “verticalizado” da EcoRodovias, que demanda mais investimentos. A empresa tem usinas de asfalto próprias, centrais de concreto e pátios logísticos, entre outros ativos. “Isso nos dá mais previsibilidade de custo, mais controle de qualidade e evita surpresas no preço de insumos – o que é essencial num contexto de grande volume de obras,” disse.
Segundo ele, isso ajuda a EcoRodovias a replicar as melhores práticas para todas as concessões e operar num modelo de gestão unificado. “As soluções que testamos em uma concessão, se funcionam, viram referência para as demais,” disse o executivo.
Mas a verticalização também é apontada por parte do mercado como uma preocupação. O acionista controlador da EcoRodovias é o Grupo ASTM, um dos maiores operadores de concessões rodoviárias do mundo – e que também tem uma vasta experiência em infraestrutura.
“Às vezes o mercado não sabe se a EcoRodovias é uma operadora ou uma empresa de construção, já que o controlador atua nessa área,” disse um analista do sellside.
Para Guidotti, a resposta a essa ambiguidade é simples: a EcoRodovias é uma empresa de infraestrutura.
“Talvez por isso alguns analistas tenham dificuldade em nos classificar: não somos uma empresa de utilities tradicional, com baixa alavancagem e geração de caixa constante,” disse. “Somos um caso diferente, talvez único no Brasil, que é de uma empresa de infraestrutura que se alavanca fortemente, com contratos que suportam um nível de dívida.”
Um gestor que é comprado na ação concorda com a visão. “Há essa crítica em relação ao controlador, mas é um grande bullshit. O que importa é se o combinado vai ser entregue, independentemente de qual vai ser a construtora. Se o Guidotti me fala que vai gastar 10 e entrega por 10 – ou até menos –, está ótimo,” disse.
Segundo esse gestor, o mercado ainda penaliza a EcoRodovias pelos erros do passado – especialmente na investida da empresa em portos no início dos anos 2000. “Mas isso já faz 10, 15 anos. É algo que ficou para trás,” disse.
Guidotti admite que a investida na área foi um erro. A empresa se prepara para sair do Ecoporto Santos, que deve ser relicitado no próximo ano. “A entrada em logística foi uma decisão que não deu certo. Decidimos focar em rodovias,” disse.
O CEO disse que a empresa analisa novas concessões, mas que o atual portfólio “já nos dá muito a fazer”.
Hoje a empresa se prepara para a relicitação da Eco101 – o trecho da BR-101 que vai do Espírito Santo até a Bahia e que a EcoRodovias ganhou em 2013.
Em 2022, a concessionária entrou com um pedido de relicitação devido à complexidade do contrato, dificuldades com o licenciamento ambiental, financiamentos e processos de desapropriações. O certame vai ocorrer na quinta-feira, dia 26.
“A Eco101 é quase uma nova concessão para nós. Estamos falando de um capex que vai de R$ 2,5 bilhões para R$ 7 bilhões. Gostamos do ativo como foi renegociado e vamos para o leilão para ganhar,” disse.
Um outro gestor comprado na ação calcula que a empresa tem uma TIR real entre 13% a 14% – “sem considerar nenhuma opcionalidade – como a arbitragem do porto ou o leilão da Eco101, que pode gerar um retorno até maior.”
A XP, por sua vez, calcula uma TIR de 12,1% para a empresa – acima dos 11,8% da Motiva (a ex-CCR).
Mas um ponto de atenção do mercado segue sendo a baixa liquidez do papel – especialmente quando comparada à Motiva. A EcoRodovias negocia cerca de R$ 20 milhões/dia. A Motiva, R$ 45 milhões.
Não à toa, analistas e gestores gostariam de um follow-on que ajude a reduzir o nível de alavancagem e traga novos investidores para a tese.
“Num momento melhor de mercado, talvez faça sentido consertar a estrutura de capital da companhia com um follow-on,” disse um gestor.
Guidotti desconversa. “Não é necessário o follow-on, mas ele está sempre na mesa como uma opção estratégica.” A ASTM tem 51,9% da companhia; o resto é free float.