Em 1872, excluindo os nascidos em Portugal e África, havia apenas 120 mil estrangeiros no Brasil. O país tinha 10 milhões de habitantes (dos quais 16% eram pessoas escravizadas), renda per capita inferior à da Somália de hoje, e a expectativa de vida ao nascer não passava dos 28 anos. Do total de brasileiros, apenas 1,5 milhão sabia escrever. Mesmo em 1910, apenas 12% das crianças estavam na escola.
Guiada por motivos racistas e econômicos, a imigração foi promovida e mudou o Brasil. Entre 1872 e 1920, mais de 3,2 milhões de estrangeiros entraram no País. No fim do período, a população brasileira chegou a 30 milhões, dos quais 5,1% eram estrangeiros ou naturalizados.
Uma larga parcela de imigrantes era pobre e mal educada, mas fizeram a diferença em um país cuja população se encontrava em situação ainda pior. Essa onda de imigração nas primeiras décadas do século passado foi essencial para o desenvolvimento brasileiro. Os estrangeiros trouxeram conhecimentos diversos e criaram o mercado que impulsionou a industrialização.
Diversos estudos mostram que o impacto dessa onda imigratória se mostra ainda hoje na população e na economia brasileiras. Eu calculei que 16% dos trabalhadores formais têm sobrenomes não-ibéricos. Há evidências de que persistem as vantagens de trabalhar em cidades com pessoas de origens diversas. Philipp Ehrl e eu estimamos, em estudo recente, que um aumento de 10% no percentual de trabalhadores brasileiros com ancestralidade não-ibérica (estimada pelo sobrenome) causa um incremento de 2,2% nos salários de todos.
Lamentavelmente, o Brasil voltou a ser um país demasiadamente fechado. Hoje, a parcela de estrangeiros no país mal chega a 0,9% da população, valor semelhante ao observado em 1872 e irrisório quando comparado aos 13% dos Estados Unidos ou aos 27% da Austrália, de pessoas que nasceram fora desses países. O número de 30 mil refugiados que o Brasil recebe por ano pode assustar alguns, mas também é ínfimo perto dos 3 milhões de brasileirinhos que nascem no mesmo período.
A recém-sancionada Lei de Migração deu passos importantes para retirar os entraves mais anacrônicos à vinda de migrantes. É claro que nenhum estrangeiro — por si só — fará o Brasil melhorar seu ensino, reduzir a violência ou ofertar saneamento básico para a população. Porém, é um passo importante para o desenvolvimento de longo prazo.
Eu quase posso ouvir o contra-argumento: “Ah, mas dessa vez é diferente! Falta emprego. Antes eles vieram para empreender; agora o imigrante do século XXI é de outro tipo.”
Em primeiro lugar, o número de empregos em uma sociedade não é fixo. Obviamente, os imigrantes demandam bens e serviços que geram empregos para os locais. O leitor não precisa acreditar em mim, ou na Teoria Econômica; basta olhar a dinâmica de cidades como Londres, Nova Iorque e Los Angeles. Lá — onde se observa uma centena de nacionalidades — não falta emprego.
Além disso, os que querem selecionar os imigrantes se esquecem que todos os grupos étnicos já foram vistos como ameaças. Apesar da justificativa inicial para a imigração ter se baseado no ‘branqueamento’ da sociedade brasileira, os imigrantes não-portugueses passaram a ser mal vistos e se transformaram em ameaça. Logo depois da Revolução de 30, Vargas legislou que as firmas deveriam ter um mínimo de dois terços de trabalhadores brasileiros. Em seguida, foram criados regimes de cotas por nacionalidade baseados nos históricos de entrada no país. Nessa campanha de nacionalização, os alvos eram os japoneses e os alemães, considerados ‘quistos étnicos’ pela dificuldade de se integrarem à sociedade brasileira. Os italianos eram mais bem vistos, mas mesmo assim houve temores por estarem associados a movimentos anarquistas.
Muitas dessas restrições persistiram, e imigrar para o Brasil seguiu sendo um problema. O Estatuto do Estrangeiro de 1980 o via como uma ameaça e, entre 1988 e 1996, nem mesmo as universidade públicas puderam contratar professores estrangeiros como servidores públicos. Era justamente o período no qual o fim do império soviético fez com que cientistas altamente qualificados buscassem emprego pelo globo afora. O Brasil perdeu grandes chances.
Ainda hoje, uma startup do Vale do Silício que se instale no Brasil tem que existir há pelo menos cinco anos lá antes de poder pedir visto para seus administradores estrangeiros aqui. Cinco anos é tempo demais em setores mais dinâmicos. Outras restrições administrativas fazem com que apenas as firmas maiores, já estabelecidas, consigam cumprir os requisitos para a obtenção de vistos de permanência e possam contratar estrangeiros legalmente. Isso reduz a competição e a inovação na economia brasileira.
Faz sentido tratar imigrantes diferentemente de acordo com origem ou religião? Não. Uma característica une os migrantes: mesmo quando pobres, eles são mais empreendedores que seus semelhantes no país de origem. Afinal, só assim para arriscarem a vida em um país estranho. A tarefa de definir qual cor, sotaque ou religião de imigrante seria melhor para o Brasil não só é moralmente errada, como também destinada ao fracasso. No século XIX os britânicos consideraram os japoneses preguiçosos e os alemães, desonestos. Em partes dos EUA, a chegada de irlandeses católicos foi vista como ameaça grave e reprimida com violência. Em suma, todos os povos, em certo momento da sua história, já foram mal vistos. No Brasil, imigrantes africanos, do Oriente Médio, caribenhos e sul-americanos, hoje vítimas de preconceito, podem ter papel-chave no desenvolvimento do país nas próximas décadas.
Em meados dos anos 1950, um adolescente boliviano, franzino, filho de sapateiro, só com ensino médio, chegou ao Brasil. Era meu pai. Ele se formou em Medicina e passou toda a sua vida profissional atendendo no Hospital do Câncer do Rio de Janeiro. Milhões de nós temos histórias semelhantes. Quanto mais rápida e mais fácil for a integração dos recém-chegados, mais certo é que relatos como esse continuarão a acontecer.
Leonardo Monasterio é pesquisador do Ipea e professor da pós-graduação em economia da Universidade Católica de Brasilia (UCB).
Este artigo contém leves adaptações sobre sua versão original, publicada no site do Instituto de Inovação & Governança – Indigo.