Algumas sociedades constroem instituições inclusivas e prosperam, enquanto, em outras, instituições extrativistas dão o tom – e elas ficam para trás.
Esse é o argumento central do best-seller “Por que as Nações Fracassam” (592 págs.), de Daron Acemoglu e James Robinson, lançado originalmente há dez anos.
Mas por que alguns países conseguem fazer a transição rumo a sociedades mais inclusivas? Essa foi a investigação que resultou em outro livro da celebrada dupla de acadêmicos. Trata-se de “O Corredor Estreito” (800 págs.), de 2010.
Ambos os livros chegam agora ao Brasil pela Editora Intrínseca.
Depois de mergulhar fundo na história de várias sociedades, Acemoglu e Robinson concluíram que, para a liberdade florescer, tanto o Estado quanto a sociedade precisam ser fortes.
Um Estado forte é necessário para “controlar a violência, impor leis e oferecer serviços públicos essenciais”. Uma sociedade forte e mobilizada é necessária para impedir o despotismo e exigir um Estado que cumpra as suas funções.
Deste embate abre-se um “corredor estreito”, que é o processo de transformação rumo ao desenvolvimento. Poucos chegam lá.
Acemoglu, um economista filho de pais armênios e nascido em Istambul, leciona no Massachusetts Institute of Technology (MIT) há quase três décadas. É forte candidato ao Nobel pelos seus estudos a respeito de desenvolvimento econômico.
Já o economista e cientista político britânico James Robinson é professor da Universidade de Chicago. Dedicou-se particularmente à análise da América Latina e da África Subsaariana.
Em conversa com o Brazil Journal, Robinson explicou como romper o ciclo vicioso do atraso, comentou sua frustração com o Brasil e disse por que é cético em relação ao futuro da América Latina.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
A principal conclusão de “Por Que As Nações Fracassam” é que há sociedades que foram bem-sucedidas em criar instituições inclusivas e prosperaram. De que trata “O Corredor Estreito” e como as ideias do novo livro se relacionam com as do anterior?
Com O Corredor Estreito, buscamos compreender melhor como os países desenvolvem instituições inclusivas, o processo pelo qual isso ocorre. Em Por Que As Nações Fracassam, apresentamos essa dicotomia dramática, das instituições extrativistas e inclusivas, e mostramos que alguns países fizeram essa transição.
Mas sabemos que, na realidade, trata-se de um processo. Então, ao analisarmos diversas sociedades em diferentes momentos de sua história, chegamos à conclusão de que é preciso haver um equilíbrio entre Estado e sociedade. Tanto o Estado como a sociedade precisam ser fortes para que as instituições inclusivas possam florescer.
Dizer que existem instituições extrativistas na China não é o mesmo que dizer que existem instituições extrativistas no Congo. As sociedades são diferentes em inúmeros aspectos. Portanto, a construção de instituições democráticas na China terá desafios que não são os mesmos que a construção dessas instituições no Congo. Chegamos a um modelo analítico mais rico, que nos permite analisar mais apropriadamente os problemas do mundo real.
No livro, vocês afirmam que sociedades frágeis levam ao despotismo, mas, por outro lado, se a sociedade têm muito poder, o Estado não consegue proteger seus cidadãos. Portanto, existe um “corredor estreito” no qual a liberdade avança e as nações prosperam. Onde se situa o Brasil, nesse balanço entre sociedade e Estado?
O Brasil está no meio dessa batalha.
Quando falamos de América Latina, precisamos levar em conta um conjunto adicional de ideias. De certa maneira, existe nos países da região um equilíbrio entre Estado e sociedade. Sabemos que o Brasil não é como a China e não é como o Congo. Mas o Brasil, como outras nações latino-americanas, parece estar encalhado. Por que isso ocorre? Tivemos que pensar em outros tipos de mecanismos para interpretar essa estagnação.
No capítulo no qual tratamos da América Latina, falamos sobre os “Leviatãs de papel”. O setor público possui características de um Estado, faz coisas que os Estados fazem, mas, ao mesmo tempo, parece um Estado de fachada. São frágeis e, ao mesmo tempo, as sociedades não são muito robustas. Existe um equilíbrio, mas de um Estado fraco e uma sociedade também fraca. Até certo ponto, não é tão ruim estar nessa posição, se pensarmos na Rússia, na China ou em países da África. Embora emperrados, alguns países da América Latina não estão tão distantes do corredor estreito. Mas não é fácil sair dessa posição.
O Brasil, desde o fim da ditadura militar, passou por diversas reformas políticas e econômicas. Para usar o seu modelo, o país construiu instituições inclusivas. Mas o país continua não consegue sustentar um ritmo de crescimento mais acelerado. Como escapar dessa prisão?
Em 2012, quando publicamos Por Que As Nações Fracassam, estávamos bastante otimistas com relação ao Brasil. Imaginávamos que, ao analisar a história recente, o país estivesse caminhando no sentido de ter instituições mais inclusivas. Parecia haver uma coalizão ampla a favor de reformas nesse sentido. A emergência do PT durante a ditadura havia sido um sinal promissor de transformação social. Víamos a possibilidade de transição para uma sociedade mais inclusiva. Lamento concluir que nossa argumentação não se revelou verdadeira. O país caiu vítima daquilo que chamamos de lei de ferro da oligarquia.
O PT acabou capturado pela lógica do sistema e se atolou no mesmo tipo de corrupção do passado. O velho esquema de instituições extrativistas reassumiu o comando. A sociedade como um todo perde, mas algumas pessoas se beneficiam enormemente.
Não existe uma varinha mágica para transformar uma sociedade. É preciso perseverar nas reformas e construir pouco a pouco, sempre que for possível, instituições mais inclusivas. Por exemplo, criando orçamentos participativos e fazendo auditoria das campanhas políticas. Houve reformas importantes, mas elas precisam se acumular.
Com o tempo, quem sabe, o país poderá chegar ao ponto de virada, quando ocorre na sociedade uma transformação dramática e não linear, o tipping point, como definiu o prêmio Nobel Thomas Schelling.
O Brasil não chegou a esse ponto, infelizmente. A transformação exige trabalho duro e um reconhecimento coletivo de que os seus cidadãos precisam construir um outro tipo de país. Não é fácil. Como em tantos outros países da América Latina, o Brasil dá dois passos para a frente, e depois um e três quartos para trás.
Acredita numa transformação da América Latina?
Não gosto de fazer previsões, mas terei que ser brutalmente honesto: a América Latina se mantém estagnada há 200 anos. Difícil ver algum país da região saindo dessa situação. Os países mais funcionais são Costa Rica e Chile, mas eles já estavam em uma situação diferenciada desde o século 19. Como cientista social, minha melhor estimativa é que não haverá uma transição dramática na América Latina, como vimos no Leste Asiático.
O que temos visto, na realidade, são retrocessos, se pensamos no governo de López Obrador no México ou o que está acontecendo na Venezuela. Na Colômbia, talvez seja eleito um populista de esquerda. No Chile, a extrema direita por pouco não saiu vitoriosa. Os peronistas continuam no poder na Argentina. Ditadores estão emergindo em El Salvador, na Nicarágua.
Paulo Guedes afirmou em Davos que o Brasil tem uma democracia barulhenta, mas robusta e resiliente. Acredita que o governo Bolsonaro seja uma etapa, embora um tanto barulhenta, rumo ao amadurecimento político?
É difícil enxergar algo de positivo na agenda de Jair Bolsonaro. Não parece uma pessoa preparada. Extremamente ideológico, não tem um plano de governo para resolver os problemas brasileiros. Poderá ser uma oportunidade de aprendizado para os eleitores, que poderão avaliar os tipos de soluções que o governo apresentou nos últimos anos, como, por exemplo, a maneira com a qual ele lidou com a pandemia. Quem sabe os eleitores tirem algumas lições do atual governo e no futuro elejam políticos mais capazes de enfrentar os problemas.
Infelizmente, vemos na América Latina uma tradição de levar ao poder governantes personalistas e populistas. É um fenômeno cuja origem ainda não conseguimos entender ao certo. Os latino-americanos estão sempre em busca de um líder que os redima, desde Simón Bolívar a Hugo Chávez. Deve ter alguma ligação com o período imperial, não sei.
Mas talvez o ministro Paulo Guedes tenha razão. O Brasil já passou por diversos choques e sobreviveu. Houve bons presidentes, e outros terríveis. É um processo de aprendizagem, faz parte da democracia. Nada será perfeito, é um processo tumultuado.
Falando em tumulto, por que os populistas estão seduzindo os eleitores nos Estados Unidos?
Nunca vi o país tão polarizado. O que temos hoje é um Partido Republicano disposto a passar por cima das regras e princípios democráticos para impedir que o Partido Democrata chegue ao poder.
A emergência de Donald Trump não estava nos planos dos republicanos, mas eles acabaram aderindo a ele. Para ser honesto, não consigo entender o apelo de Trump. De alguma maneira, o discurso dele ressoou entre os eleitores desiludidos. Pessoas insatisfeitas, por exemplo, com a obsessão americana pela meritocracia, essa filosofia dos Estados Unidos segundo a qual algumas pessoas são bem-sucedidas e outras não.
Sabemos que, por trás da aparente meritocracia, há pessoas que entram no jogo em uma situação privilegiada. Houve ainda aspectos como o impacto da China na base industrial americana e o aumento da desigualdade.
Não são poucos os analistas que celebram a China como um modelo alternativo, de que é possível haver prosperidade mesmo sob um governo autoritário. Agora o crescimento perdeu vigor, e Xi Jinping enfrenta desafios crescentes. Qual o futuro dos chineses?
Em Por Que As Nações Fracassam, dissemos que a China era um exemplo de crescimento extrativista. Por algum tempo, países conseguem progredir economicamente mesmo tendo instituições extrativistas. A Argentina é o melhor exemplo disso. Até os anos 1920, era um dos países mais ricos do mundo. Mas os argentinos não construíram instituições realmente inclusivas.
O sucesso recente da China se baseou na melhora das instituições econômicas. A questão é saber se o país sairá dos trilhos ou se fará a transição rumo a instituições políticas mais inclusivas. Aí é essencial o tipo de análise histórica que fazemos em O Corredor Estreito.
Quando observamos o que ocorreu no passado, vemos o quão improvável é que o país faça essa transição. Não é como a Coreia do Sul, onde houve crescimento sob regimes extrativistas nos anos 1960 e 1970, mas depois ocorreu uma transição para instituições políticas inclusivas. Por isso a prosperidade sul-coreana é sustentada.
Na China, parece improvável que isso ocorra. O que vemos hoje, basicamente, é um presidente estabelecendo uma ditadura personalista. Xi Jinping eliminou os adversários no Partido Comunista. Sabemos onde isso vai terminar.