Talvez tenha chegado mesmo a hora de trocar Joaquim Levy por Henrique Meirelles.
Talvez aquele sorriso largo de Meirelles, que mostra todos os dentes de orelha a orelha, seja a metáfora perfeita para este momento, um convite para o País trocar o ‘derrotismo enfraquecedor’ (segundo o próprio) pela ‘esperança reformista’.
Talvez Meirelles sonhe mesmo em ser para Dilma o que Fernando Henrique foi para Itamar: o condutor de uma travessia delicada para um tempo melhor.
E talvez… a Presidente esteja pronta para um exercício de humildade que, num só lance, encaminharia o problema econômico e esfriaria a temperatura da política.
A política (a arte do possível) e a economia (a ciência da escassez) nunca dependeram tanto dos talvez.
Levy chega ao fim do ano pessoalmente cansado e politicamente exaurido, depois de tentar construir um ajuste fiscal em meio às condições políticas mais inóspitas de que se tem notícia na história moderna da Fazenda.
Com a economia encolhendo, a inflação comendo solta, e novos impostos no horizonte, o homem já foi chamado de todo nome feio que existe: ‘tecnocrata arrogante’, ‘apenas um técnico’… daí para baixo.
Mas quando a História for escrita — não no ciclo de notícias de 24 horas, mas com a tinta mais permanente do distanciamento crítico — Levy não será considerado um fracasso nem responsabilizado por nada.
Dele se dirá apenas que foi vítima da falta obscena de munição política, que o obrigou a lutar contra a crise de mãos amarradas.
A pergunta que assombra alguns setores do mercado é: o Meirelles de agora é o mesmo de ontem? Como reconciliar a ideia de Meirelles ministro com a fala de Lula advogando ‘mais crédito’ e uma reativação da economia com base em estímulos do governo?
Qualquer calouro da PUC-Rio ou do Insper sabe que a ideia de reflacionar a economia é a maçã envenenada no Jardim do Éden da economia: a tentação de acreditar que correções de rota podem ser indolores, e que é possível fazer ajustes duros sem custo. Foi assim, aliás, que a ‘Nova Matriz Econômica’ nos encaçapou neste buraco.
A coluna não acredita na tese do Meirelles anabolizante, do Meirelles fantoche, do Meirelles a serviço da irracionalidade.
Sendo o animal político (mas não ideológico) que é, Lula conhece bem seu eleitorado cada vez mais exíguo, e essa narrativa de ‘mais crédito’ é só conversa pra CUT dormir.
Antes que chova aqui o ‘hate mail’, não se trata de ‘ingenuidade do colunista’, mas de um cálculo político de probabilidades.
Será que o Lula que bancou a manutenção do tripé econômico herdado de seu nêmesis, que expulsou ‘companheiros’ do PT por se oporem à ortodoxia palocciana, que emplacou Levy numa delicada triangulação com o mercado e Dilma… será que este Lula, nos estertores do ciclo petista, vai tentar arquitetar agora uma guinada heterodoxa?
É razoável assumir que Lula — que não tem diploma mas não é burro — entende os riscos de descontrole monetário, sabe que a inflação joga o povo contra o governo (ver KIRCHNER, Cristina), e sabe, por fim, que o Governo não tem um centavo para estimular quem quer que seja. Se o nordestino é antes de tudo um forte, Lula é antes de tudo um pragmático — e o Brasil é um país complexo demais para se bolivarizar só porque alguns atores políticos (aliás, enfraquecidos) assim o desejam.
Em sua coluna desta semana, Cristiano Romero descreveu no Valor Econômico uma conversa recente entre Lula e Dilma.
Segundo Romero, a Presidente disse a Lula: “O senhor sabe que eu não gosto do Meirelles.”
Lula: “Mas a senhora gosta do Levy?”
Dilma: “Também não gosto do Levy!”
Está na hora de Dilma começar a gostar de alguém, e pela reação do mercado nas últimas 72 horas, ela deveria mesmo flertar com Meirelles. Hoje mais do que nunca, a paz nos mercados é a paz no Alvorada.
A economia é hoje uma super, mega, giga poça de liquidez. As famílias poupam (o que a inflação não comeu) porque temem o desemprego. Os empresários não investem porque não conseguem estimar a trajetória dos juros, do câmbio, dos retornos. Os bancos não emprestam porque não sabem se vão receber.
Felizmente, o problema brasileiro é mais político do que econômico. O País sabe exatamente o que tem que fazer para retomar o crescimento. Há um consenso entre empresários e setores majoritários da academia e da imprensa. A classe política, notoriamente focada em questões de umbigo e paróquia, ainda precisa ser convencida — um jogo de persuasão que Meirelles aprecia.
Com o triunvirato Dilma-Levy-Barbosa, as chances de alguma reforma significativa são mínimas. A Presidente está preocupada em terminar o mandato — mesmo que ao custo de desconforto e isolamento descomunais. Levy não tem mais condições, e Barbosa nunca teve as convicções.
Se nada mudar, a economia tende a continuar piorando, e o desemprego fará o serviço que as pessoas indignadas que hoje lotam a Paulista estão tentando fazer.
E é aí que o instinto de sobrevivência de Dilma e o cálculo político de Lula se encontram, na matriz dos resultados possíveis (os desejados e os não).
Com Levy (mas não por culpa dele), Dilma desencarnará de seu corpo político numa morte lenta, gradual e horrorosa; com Meirelles, ela ainda tem alguma chance de sobrevida (noves fora TCU, TSE, etc). Com Levy, Lula presidirá o enterro do PT em 2018; com Meirelles e uma retomada (via ajuste), ele tenta ficar vivo para lutar outra batalha. É isso que animais políticos fazem. É só nisso que eles pensam. E essa, senhoras e senhores, pode ser a melhor notícia para a economia em 2016.