Desde que foi fundado, no começo do ano passado, o C6 Bank está envolto na mesma aura de mistério de seu controlador, Marcelo Kalim – que não dá entrevistas nem se deixa fotografar.
Segundo maior acionista do BTG até o ano passado, Kalim deixou o banco de André Esteves para fazer seu próprio banco digital do zero.
De casa nova, ele continua não falando, tanto que o desenho que ilustra essa reportagem foi feito a partir de sua única foto com resolução razoável disponível na internet.
Mas o C6 aos poucos começa a ganhar contorno.
Do início do projeto até o fim deste ano, o C6 terá consumido R$ 500 milhões de investimentos – tudo capital próprio dos sócios. Além de Kalim e Leandro Torres, fazem parte da sociedade Adriano Ghelman e Luiz Marcelo Calicchio, todos com passagem pelo BTG Pactual. Carlos Fonseca, que deixou o BTG junto com Kalim para fundar o novo banco, deixou a sociedade no começo do ano.
A grande aposta do C6 está no varejo de alta renda — um público atendido hoje pelos Personnalités, Primes e Van Goghs do mercado e cada vez mais adepto das plataformas de investimento, mas que ainda se ressente da falta de produtos bancários mais sofisticados nos bancos digitais.
Os fundadores do C6 “consideram o público do Personnalité muito mal atendido, com produtos caros e muito ruins, e acham que se conseguirem tirar o cliente do Personnalité estarão bem, porque os outros são ainda piores,” diz uma fonte que discutiu o negócio com os sócios.
A proposta do C6 é ser um marketplace bancário, estendendo o conceito de plataforma aberta (já consolidado quando se fala de investimentos) para outros produtos como seguros, previdência e câmbio.
Mas com um ano e meio de estrada pré-operacional, o C6 agora vai enfrentar o desafio de escalar seu negócio num mercado onde a oferta de contas digitais gratuitas já é abundante.
O lançamento oficial do banco deve acontecer nas próximas semanas, quando começarão os investimentos mais fortes em marketing, incluindo campanhas na televisão.
Por enquanto, o C6 está oferecendo uma conta corrente gratuita com transferências ilimitadas para qualquer banco, pagamento de boleto e cartões de débito e crédito — um modelo parecido com o do Banco Inter.
A conta tem pelo menos um diferencial em relação a outros bancos digitais. Todo correntista tem direito a uma ‘tag’ para pedágio automático ligada diretamente à conta corrente e sem nenhuma mensalidade (que, na concorrência, varia entre R$ 19 e R$ 23 ao mês). Até o fim do ano, o C6 quer fechar parcerias também com todas as grandes redes de estacionamentos.
“Estamos começando com uma oferta voltada para a parte mais baixa da pirâmide e vamos incrementando os produtos para chegar até o cliente de altíssima renda,” diz Max Gutierrez, um executivo com 14 anos de Itaú Unibanco, onde ajudou a desenvolver o digital, e que passou pelo Santander antes de assumir como head de produtos no C6.
O primeiro produto para o varejo de alta renda será o Carbon, um cartão de crédito que converte cada dólar gasto em 2,5 pontos no programa de fidelidade, batizado de Átomos (por R$ 85 mensais).
“Estamos trazendo uma oferta que hoje é restrita ao público private [tipicamente que tem mais de R$ 5 milhões investidos] para o varejo de alta renda,” diz Max. “É o que a gente vai fazer, como conceito, para todo tipo de produto, porque temos uma estrutura de low cost que nos permite compartilhar esse ganho com o consumidor.”
Ainda mais incipiente do ponto de vista de produtos, a vertical voltada para pessoas jurídicas já tem sua ferramenta de prospecção. No ano passado a C6 Holding comprou a NTK Solutions, uma empresa de meios de pagamento fundada há 16 anos.
Rebatizada de PayGo, a empresa é o segundo maior processador de Transferências Eletrônicas de Fundos (TEF) — o sistema que liga os sistemas de frente de loja às redes de pagamento, direcionando para a adquirente que oferece as condições mais favoráveis ao lojista — e deve dar ao C6 acesso a empresas de médio porte.
Em paralelo, o C6 já vem desenhando uma oferta para clientes institucionais: abriu corretoras em Nova York e São Paulo, inicialmente operando apenas renda fixa. O head da área é Leandro Torres, o sócio que liderava a corretora do BTG.
Com 570 funcionários, o C6 ocupa os oito andares de um prédio no Jardim Paulista, com decoração estilo industrial e repleto de grafites à la Banksy.
Os clientes podem escolher a cor de seus cartões e imprimir o nome que bem entenderem no plástico (até o nome dos seus gatos, como já fez uma cliente).
“Como não temos agência física, o único lugar que o cliente vai tocar a gente é no plástico. Tem que ter um super cuidado com o cartão,” diz Gustavo Torres, o head de inovação da casa.
Fora das paredes do C6, o mercado continua sem entender o diferencial estratégico do banco em relação aos concorrentes.
O fato de o C6 estar trabalhando em seus produtos há um ano e meio — em vez de fazer entregas incrementais ao longo do caminho — levanta sobrancelhas.
“Eles têm aquela crença de banqueiro de que nada vale mais que dinheiro — de que com dinheiro você consegue atrair as melhores pessoas e fazer melhor que a concorrência,” diz um especialista em fintechs. “Mas, no mundo digital, é importante validar tudo que você vai fazendo. Essa agilidade de testar e consertar, testar e consertar tem muito mais valor, e isso o C6 não está fazendo.”
No mercado de tecnologia, a forma como o C6 decidiu desenvolver sua plataforma é conhecida como Big Design Up Front (BDUF), uma abordagem de desenvolvimento de software na qual o design do programa tem que ser concluído e aperfeiçoado antes que a implementação desse programa seja iniciada.
“Na hora que você lança o produto, os riscos são muito maiores do que se você tivesse feito entregas incrementais, porque o usuário pode não gostar daquilo,” diz o especialista.
Uma fonte que trabalhou num projeto com o C6 disse que o banco não pretende medir esforços (leia-se capital) no custo de aquisição de clientes.
A questão ainda a ser respondida é como o C6 pretende quebrar a inércia que mantém um cliente fiel a um grande banco.
“A cabeça do C6 trabalha como se o ser humano fosse racional, e sabemos que ele não é,” diz uma fonte do mercado de tecnologia. “Eles acham que vão oferecer produtos tão bons que vai chover cliente, mas o desafio é cultural: não é o produto que ‘escolhe’ o cliente, é o cliente que vai decidir se muda ou não de banco.”
O risco, na opinião destas fontes, é o C6 estar subestimando os concorrentes e o mercado como um todo.
“Eles parecem estar olhando muito para os grandes bancos, mas não para as fintechs,” disse uma fonte. “Uma fintech começa pequena e vai crescendo, enquanto eles já quiseram nascer grandes.”