Ex-aprendiz de cozinheiro em Nova York, Sei Shiroma conheceu uma brasileira e veio tentar a vida no Rio de Janeiro.

“Quando eu visitei aqui pela primeira vez em 2011, as minhas impressões sobre a pizza no Rio foram simplesmente horríveis,” Shiroma disse ao The Rio Times Online. “O problema é que as pessoas que fazem a comida realmente não ligam pra ela. E ainda assim [os consumidores] toleram isso.”Sei Shiroma

Começou perambulando pela cidade com seu food truck — fazendo sucesso na saída do que os paulistanos chamam de ‘balada’ e os cariocas, ’night’ — até que escolheu abrir sua pizzaria gourmet, a Ferro e Farinha, numa rua sonolenta no histórico bairro do Catete, aquele de onde Getúlio Vargas governou nossas vidas e pôs fim à própria.

Uns acham sua pizza cara, outros acham que é a melhor da cidade, mas o fato é que o ‘point’ logo decolou, e os blogs entendidos no assunto ungiram a casa com o selo que hipnotiza os millennials: “hipster”.

Mas como o sucesso nunca chega sem solavancos, Shiroma notou um problema: alguns clientes vão lá pra comer a pizza, mas antes compram a cerveja (mais barata) no bar ao lado, o Escondidinho do Catete.

Como a Ferro e Farinha é pequena, os clientes comem as redondas na calçada, o que torna fácil a arbitragem de preços, ainda que entre dois estabelecimentos tão diferentes.

Ora, o Escondidinho é um pé-sujo tradicional, conhecido por sua variedade de cervejas e seu pastel de carne seca. Seu proprietário e gestor é o Seu Zito, um paraibano que encosta a barriga no balcão há 25 anos.

Enquanto o Escondidinho vende suas Brahmas, a Ferro e Farinha só oferece Heineken (7,50 reais) e Zuhausebier Golden Ale (28 reais a garrafa de 600 ml).

Incomodado com a perda de receita, Shiroma foi ter com seu Zito, e pediu ao concorrente que não vendesse mais cerveja para os clientes da pizzaria. Como era de se esperar, esse esforço inusitado de ‘revenue assurance’ naufragou.

De acordo com o relato exclusivo de O Globo, Seu Zito retrucou, aos brados, para escândalo dos clientes presentes: “Vou vender sempre que quiserem, no meu bar mando eu.” Enfurecido, completou, “Esse cara vem lá da casa do c… pra me dizer o que eu posso fazer? É um b… mole! Chegou há dois meses e vem querer mandar em mim!”

Calma, Seu Zito.

Deixando de lado as idiossincrasias dos dois varejistas, resta a pergunta: como podem esses dois gigantes do empreendedorismo chegar a um equilíbrio estável, dado o novo cenário competitivo criado pela chegada da pizzaria?

De um lado, Shiroma, um homem de muita coragem ou de pouco bom senso, já que trocou a facilidade de empreender nos EUA pelas agruras diárias do capitalismo do Brasil, o centésimo-vigésimo país onde é mais ‘fácil’ abrir e manter um negócio. (Como se vê, ou o cara tem cojones, ou chutzpah, ou miolo mole.) Do outro, Seu Zito, com a casca grossa de quem lida com bêbados e navega a burocracia brasileira e nossa crescente carga fiscal há um quarto de século. (O homem deve ser mesmo uma panela de pressão.)

Se reconhecer que seu público, ainda que sofisticado, é sensível a preço, Shiroma deveria pensar em outro esquema para baixar seu custo antes de bater na porta do concorrente pedindo o que outro achou que seria um grande favor. Quem sabe adotar uma outra marca de cerveja gourmet, mas ‘de combate’?

Já o Seu Zito, talvez no fundo ele esteja um pouco enciumado com o sucesso repentino do vizinho recém-chegado. Talvez ele ache que a pizzaria lhe tira clientes — o que, conhecendo os dois lugares e preços, não pode ser verdade. Quando nada, a Ferro e Farinha aumentou o tráfego na rua, tornando a área ainda mais descolada.  Talvez ele devesse pensar até em cooperar com seu suposto rival — cuja derrocada seria prejudicial ao Escondidinho.  Afinal, é com vários bares (e não com uma postura de ‘eu cheguei primeiro’) que se faz uma Vila Madalena ou um Baixo Gávea.

Na área de comentários da matéria do Globo — aquele tatame reservado ao UFC das emoções e à derrota inevitável da razão — Seu Zito foi saudado como ‘herói do livre mercado’, enquanto Shiroma foi xingado de ‘lactobacilo do yakult’.  Apesar de Seu Zito ter botado o concorrente para correr, a maioria das pessoas falou sobre o paraibano como um coitado que precisava ser defendido, e sobre o americano, como um opressor.  Nada mais brasileiro.

“Ao invés de vender cerveja e pizza, volte para sua terra e venda McDonald’s,” ordenou um leitor. “Se fosse ao contrário, o brasileiro seria expulso no mesmo segundo da confusão.” (Nem o pré-sal nem o ‘investment grade’ resolveram alguns complexos de vira-lata.)

A única ideia razoável, que atacou o problema de frente, veio de um leitor — possivelmente um estudante de administração ou alguém com experiência no mundo real dos negócios — que sugeriu que a pizzaria cobrasse rolha: “Se sentar nas mesas da pizzaria e trouxer bebida de outro lugar, serve e cobra mais 20% na conta.”

Agora sim.  O capitalismo viveu pra lutar mais um dia.