No final das contas, talvez ainda haja esperança para a independência do sellside.
Ontem à noite, um analista do Bradesco recomendou aos clientes vender a ação da Cielo.
Não só o Bradesco é sócio da Cielo, como há outra curiosidade: o analista Victor Schabbel, que assina o relatório, era o diretor de relações com investidores da credenciadora de cartões até julho do ano passado. Ele ficou quase três anos na posição.
Num relatório intitulado “Not Yet Ready To Get Back on Its Feet”, Schabbel cortou a recomendação de ‘neutra’ para ‘venda’ e o preço-alvo de R$ 7 para R$ 6,5. Por volta das 14h15, a ação da Cielo caía quase 4,2%, negociada a R$ 7,50.
“Dado o ambiente severo de mercado, reconhecemos os esforços feitos pela direção para levar a companhia de volta ao caminho certo, com preços mais agressivos, melhora das operações e consequentemente, um melhor serviço”, escreveu Schabbel. “Mas notamos, contudo, que, antes da nova estrutura corporativa e iniciativas estratégicas começarem a render frutos, os resultados devem se deteriorar ainda mais”.
O Bradesco BBI está muito mais cético que o mercado: a estimativa é de lucro de R$ 1 bi e R$ 1,1 bi em 2020 e 2021, respectivamente, 33% menor que o consenso. Para os resultados do quarto tri, que serão divulgados no dia 27, o BBI espera lucro de R$ 292 milhões, uma queda de 61% na comparação anual e 22% abaixo do consenso.
“Nós continuamos ouvindo de diferentes participantes do mercado que as pressões de preço continuam e não estão perto de uma estabilidade como pensam algumas pessoas”, diz o analista, que prevê uma nova rodada de revisões de lucro por parte do mercado.
Segundo Schabbel, é bastante provável que a Cielo anuncie uma revisão nos incentivos que ela paga hoje ao Banco do Brasil e ao Bradesco pelo uso de sua rede de agências como veículo de distribuição nas próximas semanas (esse canal tem perdido cada vez mais importância dentro da estratégia da Cielo).
Porém, ele adverte que qualquer ganho com essa renegociação deve ser transmitido aos lojistas na forma de preços e condições mais atrativas para que a companhia possa recuperar parte do share que perdeu nos últimos anos.
O banco fez ainda uma análise de soma da partes da Cielo, já que a Cateno — o negócio de emissão de cartões em parceria com o Banco do Brasil — vem ganhando cada vez mais representatividade do lucro, diante da piora nos economics da credenciadora. (Em 2018, 20% do lucro da Cielo consolidada veio de Cateno, número que deve aumentar para 34% neste ano e 55% no próximo, nas contas do BBI.)
O negócio da Cateno é mais resiliente e deve crescer entre 7 e 16% nos próximos e, portanto, faria sentido teria um múltiplo maior que o de Cielo. Porém, se considerarmos que a Cateno merece um múltiplo de 20 vezes o lucro para o próximo ano, no preço atual o negócio de credenciamento estaria negociando a um múltiplo de 14,6 vezes, o que é considerado esticado pelo analista, dados os desafios da companhia.