Quarenta anos atrás, um professor de Harvard decidiu patrocinar um de seus alunos na busca de uma empresa para investir. Irv Grousbeck deu um dinheiro inicial para o aluno, Jim Southern, ir atrás do negócio e, quando Jim finalmente encontrou o ativo, Irv financiou a aquisição com outros investidores. 

O negócio deu tão certo que outros professores e alunos de Harvard decidiram imitar a ideia. A moda pegou, e acabou gerando uma nova classe de ativos: os chamados ‘search funds’.

Agora, esses fundos estão finalmente começando a ganhar tração no Brasil — e uma gestora recém-fundada quer ser o principal financiador desta indústria incipiente. 

09 01 Gustavo Vaz okA Kanoa Capital está na fase final da captação de seu primeiro fundo, de R$ 150 milhões, com o objetivo de investir em 15 ‘search funds’, que por sua vez devem dar origem a sete a 10 investimentos (já que nem todos os fundos encontram o ativo que procuram ou, o que também acontece, os investidores podem não gostar do ativo e decidir não investir). 

A Kanoa já fez um first closing de R$ 115 milhões e está captando os outros R$ 35 milhões principalmente com family offices brasileiros. 

Por trás da Kanoa estão três empreendedores com backgrounds distintos. 

Gustavo Vaz foi CMO da Easy Taxi e fundador da EmCasa. Em 2016, ele conheceu os search funds quando fazia seu MBA em Harvard. Depois que voltou, e antes de fundar a Kanoa, também teve uma passagem pela Spectra Investimentos, onde ficou quase um ano olhando search funds fora do Brasil. 

Guilherme Bonifácio foi um dos fundadores do iFood e da Mercê do Bairro. Depois de vender sua participação em 2018 passou a investir em startups. Já José Dias fez uma carreira executiva em grandes multinacionais. Foi CEO do Burger King para América Latina e Caribe e comandou a Kraft Heinz na China e no Canadá.

Com o capital levantado até agora, a Kanoa já investiu em quatro ‘search funds’, que ainda estão na fase de busca do ativo. 

Na prática, o ‘search fund’ é um veículo que permite que pessoas que querem se tornar empreendedores encontrem uma empresa para tocar. No modelo, investidores como a Kanoa dão um cheque inicial pequeno, tipicamente de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões, para cobrir as despesas dos ‘searchers’ no período de busca – basicamente o salário, viagens e um pequeno escritório. 

Esses ‘searchers’ – normalmente pessoas com 10 a 15 anos de carreira e que fizeram um MBA fora do Brasil – têm dois anos para encontrar uma empresa para comprar, seguindo alguns filtros específicos. O negócio tem que ser de médio porte, normalmente fora do eixo Rio-São Paulo, gerar caixa há mais de dois anos e ter uma margem EBITDA de 25% a 30%. 

“Não queremos investir no próximo unicórnio. Queremos investir numa empresa muito boa, fazer ela triplicar de tamanho e vendê-la muito bem para um estratégico,” Guilherme disse ao Brazil Journal.

Quando os ‘searchers’ encontram o alvo, a empresa é apresentada aos investidores, que decidem se topam ou não fazer a aquisição. Se sair negócio, o searcher vira o CEO da companhia e passa a tocar a operação com o objetivo de vender para um estratégico num horizonte de quatro a cinco anos.

Gustavo disse que esse modelo gera um downside protection muito grande, tanto pelo alinhamento entre os investidores e o ‘searcher’ quanto pelo fato de serem empresas que geram caixa há anos e que estão bem operacionalmente.

“Compramos essas empresas por R$ 50 milhões a R$ 100 milhões, mas tipicamente só pagamos metade na cabeça. A outra metade é alavancada e paga com a geração de caixa do próprio negócio,” disse ele. 

Na aquisição, o ‘searcher’ não chega a virar sócio do negócio, mas ele está alinhado no carry. Gustavo explica que, além de ganhar um salário de CEO, o contrato prevê que o ‘searcher’ fique com um percentual da taxa de performance do investimento, dependendo do retorno que entregar. 

“Se o retorno dos investidores for IPCA+5% ele não ganha nada. Se for IPCA+20% ele fica com 16% do retorno; e se for IPCA+35%, ele fica com 25% do carry. É uma escadinha que alinha e faz todo mundo mirar no mesmo lugar,” disse o gestor. 

No Brasil, os primeiros search funds surgiram em 2015. Desde então, foram levantados mais de 50 fundos desse tipo, e hoje há 20 ainda em busca de um ativo. 

“É um mercado com um grau de maturidade menor, mas que já tem um histórico e vem ganhando bastante robustez,” disse Gustavo. “E a classe está indo super bem. Das 20 compras que já aconteceram no Brasil, já tivemos várias saídas e a maior parte delas com um retorno muito bom para os investidores.”

A Agger Seguros, um software para o setor de seguradoras, foi comprada pela Dimensa, da TOTVS, por R$ 260 milhões. A i4Pro, de softwares de produtividade, foi adquirida pela Baynan Mercury por R$ 270 milhões. Em ambos os casos, o retorno dos investidores foi de mais de 6x o capital investido. 

No Brasil, a Kanoa é o maior fundo dedicado exclusivamente a search funds, mas fora do País há outros brasileiros apostando no setor. 

Newton Campos, um brasileiro que é professor da IE Business School de Madrid e já deu cursos na FGV, fundou em janeiro uma gestora dedicada apenas a search funds, a Newton Equity Partners, e captou um fundo de € 30 milhões. 

O fundo de Newton, no entanto, vai investir apenas em search funds na Europa, onde o mercado já é mais maduro. 

Newton — que ministra um curso na IE focado nesta classe de ativos — disse que o maior mercado hoje são os Estados Unidos, onde surgem cerca de 200 novos search funds todo ano. Na sequência vem a Espanha, com 40 por ano, seguida pela Inglaterra, com 30. Na quarta posição estão Brasil e México, com 20 cada.