Nas últimas semanas, um dos muitos e grandes temores do mercado é o risco do BNDES voltar ao passado.
A dúvida é se o Lula III voltará a usar o banco de desenvolvimento para jogar dinheiro de helicóptero sobre a FIESP, dando crédito subsidiado a quem precisa e a quem não precisa — e impactando ainda mais um quadro fiscal já lastimável.
Num relatório publicado hoje, o Citi fez um retrato do capital e do funding do banco, e analisou o espaço que ele teria para voltar às práticas do passado.
Os analistas lembram que de 2010 a 2015 o BNDES foi o maior banco do Brasil, com um market share de 21% em crédito — em grande parte por conta dos empréstimos subsidiados atrelados à TJLP (que cobrava cerca de 50% da Selic da época).
Como se sabe, a premissa do Governo Dilma era de que quanto mais dinheiro gratuito se plantasse, mais crescimento de PIB se colheria – o que jamais aconteceu.
A partir do Governo Temer, o banco reduziu materialmente seu balanço e abandonou a política de ‘free money’. O BNDES passou então à sua atual posição de sexto maior player no mercado de crédito, com um share de 9%.
Com isso, a posição de capital do banco também melhorou consideravelmente — de uma Basileia de 9,8% no final de 2015 para 28,7% hoje.
Só esse nível de Basileia já “abriria espaço para o banco basicamente triplicar seu portfólio de crédito (adicionando 18% a todo o sistema),” escreveram Rafael Frade, Paulo Lopes e Antonio Junqueira.
Mas ainda que possível, esse cenário hoje é improvável – a menos que o novo Governo mude a lei.
Na época de Dilma, a grande vantagem de custo do BNDES era seu funding do Tesouro, então atrelado à TJLP. Desde 2018, no entanto, os empréstimos do banco estão atrelados a uma taxa mais realista, a TLP, que reflete o custo de funding do próprio Tesouro, “tornando o financiamento do BNDES bem menos competitivo,” como notam os analistas.
Para o Citi, é difícil imaginar um cenário onde o Governo expandiria o crédito do BNDES sem antes adotar uma política que lhe permitisse reduzir sua taxa de juros. Na falta de uma mudança assim, “simplesmente haveria uma demanda limitada,” diz o relatório.
Para expandir o crédito do BNDES, portanto, o Governo teria que publicar uma medida provisória reduzindo a TLP, e, “para manter a mudança, o Congresso teria que transformar a medida provisória em lei, o que exigiria maioria simples,” diz o Citi.
E é aqui que o futuro do BNDES se encontra com a PEC da Transição que está sendo negociada – no mais alto espírito republicano – no Congresso.
Qualquer crédito subsidiado do BNDES entra na conta do gasto público. Por exemplo: se o banco conceder R$ 100 bi de empréstimos subsidiados a uma taxa, digamos, 5% abaixo da Selic, isso custaria R$ 5 bilhão/ano ao Tesouro – um gasto que conta no teto.
Quando a PEC da Transição joga todos os R$ 600 do Bolsa Família fora do teto – e não apenas os R$ 200 adicionais – o Governo está realocando o espaço dos R$ 400 que já estavam previstos para outras “bondades,” como empréstimos subsidiados.
Se a PEC passar e o Governo mudar a TLP, estará construído o arcabouço para que se volte a usar o BNDES para os velhos vícios – para a alegria de setores do empresariado e tristeza do povo brasileiro, que estará pagando a conta.
O BNDES tem quadros técnicos competentes e não é um ator nessas decisões políticas. Elas são escolhas do Executivo – muitas vezes com a anuência do Congresso. Ao contrário, o banco foi vítima dessas más escolhas no passado, e, tomara, nunca mais.
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