O mercado financeiro brasileiro está cheio de investimentos parecidos (às vezes, iguais), mas que são tributados de formas diferentes. 

Como isso obviamente impacta a rentabilidade, os gestores investem muito tempo e advogados para criar “soluções fiscais eficientes” para os clientes. E quando as regras mudam, o trabalho tem que começar de novo.

É o que está acontecendo agora com os clientes que tinham fundos exclusivos. 

No fim do ano passado, esses fundos perderam o benefício do diferimento fiscal e passaram a ter de recolher imposto de renda semestral, o “come-cotas” – que é pago pela maioria dos fundos abertos.

Nas contas do Itaú Unibanco, ao longo da última década, a ausência do come-cotas gerou um retorno extra de 1,1 ponto percentual por ano para os investidores de fundos exclusivos, em média. 

“Boa parte do passivo das gestoras tinha esse benefício fiscal,” disse ao Brazil Journal Marcelo Segalis, o superintendente de funds of funds do Itaú Unibanco. 

Quando isso acabou, para tentar manter os recursos dentro de casa, as gestoras começaram a criar estruturas que pudessem oferecer alguma vantagem fiscal. 

A primeira ideia foi migrar os clientes para fundos de previdência exclusivos, que não estão sujeitos ao come-cotas. Mas em fevereiro, ao notar que a indústria buscava um loophole, os reguladores vetaram esse tipo de fundo com patrimônio superior a R$ 5 milhões. 

“Os clientes de mais de R$ 5 milhões que concluíram o processo e acessaram esses produtos antes da nova regulação puderam mantê-los,” diz o private banker Pedro Prado. “Os demais buscaram outras opções.”

Uma delas são os produtos conhecidos como FIM-RV, fundos multimercado que aplicam no mínimo dois terços do patrimônio em renda variável – e, assim como os fundos de ações (FIAs), não sofrem incidência de come-cotas. 

A possibilidade de criar o FIM-RV já existia, mas poucas gestoras o faziam, porque o produto é complexo de gerir e a procura por ele era pequena. 

Com a mudança tributária, algumas gestoras passaram a preparar o lançamento desses fundos logo no começo do ano, mas parte das estruturas iniciais tinha problemas. 

“Alguns gestores queriam fazer um puxadinho. O plano não era ter risco em ações de verdade, mas operar zerado – comprado e vendido em índice, por exemplo – e ter renda variável na carteira só para justificar o benefício fiscal,” diz um gestor.

“Isso chama a atenção da Receita. Quem estava fazendo isso desistiu.”

Os FIM-RV precisam ter ao menos 67% long em ações para ter o benefício tributário. O net não importa: ou seja, os fundos podem ter os mesmos 67% short e ficar zerados. 

“Eles podem ter exposição neutra em Bolsa, mas precisam correr o risco do mercado para justificar que são produtos de renda variável de verdade – por exemplo, estando comprados em Petrobras e vendidos em Vale,” diz um gestor.

Segundo uma dezena de executivos de mercado ouvidos pelo Brazil Journal, os fundos que estão sendo criados recentemente investem de fato em ações – e têm uma gestão complexa que é feita por poucos e vendida para poucos.   

“São produtos mais parecidos com os hedge funds internacionais, em que o gestor realmente corre risco para gerar alfa,” diz Guilherme Zaczac, o head de investimentos alternativos líquidos no Brasil do UBS Global Wealth Management.

“Isso requer capacitação. Fomos atrás dos gestores capazes de fazer isso. São poucos nomes,” completa Zaczac. 

A Verde já tem um fundo desses há cerca de 20 anos, o Verde Equity, cujo patrimônio é formado pelo capital proprietário da gestora e de poucos clientes. 

“É um produto com maior volatilidade, que pode ser interessante para alguns investidores. Não substitui o fundo exclusivo, mas é complementar,” diz Luiz Parreiras, sócio da Verde. 

Sylvio Castro, diretor de solutions e funds of funds do Itaú Unibanco, lembra que algumas casas já tinham fundos com estratégias de FIM-RV, mas faltavam pequenos ajustes para serem enquadrados como tal. 

É o caso da Vista Capital. “Os fundos da Vista têm como característica um horizonte de investimento de longo prazo e a utilização de ações, tanto no Brasil como no exterior, inclusive como forma de expressar a visão macro da casa,” diz João Landau, o fundador e CIO da gestora.

“Não antecipamos mudanças em nossa estratégia com o lançamento do novo produto.”

Há outras gestoras criando esses produtos, mas elas não quiseram aparecer por – como disse um executivo de uma dessas casas – “medo de atrair uma atenção indesejada da Receita.” 

Os fundos têm sido oferecidos a clientes específicos. Talvez por isso, ou pelo fato de a Bolsa estar do jeito que está, a procura por esses fundos aumentou pouco.  

“Temos um produto desses há cerca de dois anos, foi lançado bem antes da mudança das regras, e praticamente só tem recursos dos sócios,” diz Carlos Woelz, o sócio-fundador da Kapitalo. 

A SPX, que tem desde 2022 um FIM-RV que segue a estratégia de ações long and short, decidiu esperar para sentir a demanda do mercado antes de lançar outro fundo com essas características. 

A gestora resolveu criar outros produtos com vantagens tributárias, longe do mercado acionário: um fundo de debêntures incentivadas, que é isento de imposto de renda, e um fundo de desenvolvimento imobiliário logístico, que também é isento caso o cotista mantenha os recursos até o vencimento, em sete anos.

Outras gestoras têm lançado fundos chamados de “macro isentos”. Eles precisam investir 85% do patrimônio em debêntures de infraestrutura – mas, pela regulação, podem levar dois anos para chegar a esse percentual. O restante pode ser aplicado em outros ativos, mantendo a isenção tributária. 

Um outro grupo de gestoras está criando fundos offshore, que não têm come-cotas e cujos rendimentos são tributados anualmente em 15%.

“Hoje existem instrumentos que permitem replicar lá fora várias estratégias de investimento em ativos brasileiros, e com vantagem fiscal,” diz um gestor que criou um produto desses, mas também prefere não aparecer.