Talvez você, que tem mais de quarenta anos, já tenha notado o mesmo fenômeno: a hora hoje tem menos de 60 minutos. A minha deve ter entre 35 e 40. Às vezes, um pouco menos.

Eis o fenômeno: o relógio te diz uma hora e, de repente, ao consultar novamente o horário, os minutos se desvaneceram e a hora já passou, sem que se saiba o que aconteceu com aquele período valioso. Um problema gravíssimo, pois tenho certeza de que o tempo é meu maior ativo. Esses minutos preciosos, simplesmente desaparecidos da minha hora, fazem uma falta irreparável.

Percebi também que o tempo da minha geração é diferente. Quando era criança, meus pais colocavam malas pequenas no carro e íamos para a praia. Um mês inteiro. Nesse período, meus pais não falavam no telefone. Sequer liam jornais. Um mês, naquela época e naquelas circunstâncias, se assemelhava a uma existência plena. Chegava a esquecer que a praia não era a minha casa. Chamava-se a isso de “férias” (isto é: não trabalhar e deixar todas as preocupações de lado por um período de 30 dias), um conceito que, já há muito, mudou de significado. Já houve tempo para isso.

Logo que me tornei adulto – ou melhor, quando achei que havia me tornado adulto – via a geração dos meus pais como velhos. Eles já não faziam esportes e, do meu ponto de vista de então, comportavam-se como anciões. A partir dessa constatação, formei a perspectiva da brevidade da vida útil. Pensava, “em trinta anos mais, serei já um velho”. A partir daí, tinha pressa de conquistar as coisas. Uma angústia de viver.

Ocorre que trinta anos se passaram e a minha geração envelheceu pouco. Seguimos com a cabeça jovem e preocupados com a saúde física. Um dos efeitos disso é que a geração que veio depois, a dos meus filhos, passou a ver a passagem do tempo de outra forma. A velhice se transformou em algo distante. Os pais não são velhos. Eles, então, acreditam que viverão por cem anos – e, possivelmente, estão certos.

Os jovens adultos de hoje já não têm a mesma preocupação com o tempo. Nisso diferem muito da geração anterior – e, com razão, diz-se que parecemos mais com a nossa geração do que com os nossos pais. Para os jovens adultos da atualidade, os filhos virão mais tarde e as realizações profissionais podem esperar. O tempo se alongou. Os tempos são a mudança, filosofou Bob Dylan.

A minha – e possivelmente sua – preocupação com o tempo desaparecido se justifica. Afinal, tempo não se recupera. Quando Proust alertou da procura do tempo perdido, na verdade denunciava essa busca vã e melancólica, pois jamais iremos recuperá-lo. O que passou passou e o que não passou já não passará, ao menos naquele momento. O mesmo cantou Renato Russo, em Tempo Perdido, um dos hinos da geração dos anos 80 – “Todos os dias quando acordo / Não tenho mais o tempo que passou”. Ao perdê-lo, só se pode lamentar. Resta ficar atento para que o desperdício não se torne ainda maior.

Como ensinam os Eclesiastes, há tempo para semear e para colher. As Escrituras garantem: há tempo para tudo. Até mesmo o ócio, o “dolce far niente”, revela seu proveito criativo e restaurador. Castro Alves registrou o ponteiro que se esquecia de andar, quando o amante se encontrava afastado do objeto de seu amor – o tempo da angústia da abstinência, que teima não andar. Até para sofrer há um momento. Os textos sagrados, porém, não tratam desse tempo que escapa sem que a gente se dê conta.

Talvez seja um sinal da maturidade compreender que o tempo não está mais do seu lado – como Mick Jagger cantou quando jovem. Ao contrário, o tempo foge – como anotou o poeta clássico Virgílio. A desgraça é que, nos nossos dias, ele foge cada vez com mais rapidez, sem dar notícia. O tempo parece ser velozmente consumido com uma série de ocupações menores, oferecidas mesmo sem solicitação ou necessidade. Verifica-se, com nitidez, a cultura da pronta ocupação do tempo.

Para quem vive num país onde há muito a construir, como o nosso, essa perda de tempo representa uma irresponsabilidade com a nossa história. Quem tem preocupação social, inteligência e sensibilidade sabe que o tempo urge e se vinga de quem o despreza. Ademais, tempo é muito mais do que dinheiro, pois o vil metal, fungível por natureza, se repõe. O tempo, por sua vez, não oferece uma segunda chance.

Identificando – e lamentando – o fenômeno dos minutos que somem, tento aprender com as gerações, as passadas e a futura. Talvez elas tenham estabelecido uma relação mais saudável com o tempo. Ou, quem sabe, sofro do mal de todas as gerações que veem as outras como melhores…

Mas, afinal, onde ficaram esses inestimáveis minutos sumidos? Eis minha suspeita: o tempo ficou perdido na falta de divisão da vida privada e da profissional. O tempo vai embora nas mídias sociais que apenas trazem informações irrelevantes, nas conversas sem profundidade, nas futilidades que tomam conta do cotidiano, na veneração de ídolos vazios, na falta de curiosidade.

A proteção do tempo passa por controlar com consciência esse ralo – esses hábitos vazios que marcam os dias de hoje, drenando a atenção e usurpando o foco. Eis o alerta: pelo fim da dopamina dos celulares! Basta de ouvir música ruim! Chega de assistir filmes idiotas! Fora com a subliteratura! Vamos prestigiar o que vale a pena! É hora de virar o jogo: tratemos de capturar de volta os minutos desaparecidos!

O tempo se reencontra nas conversas interessantes, nos abraços da família, no riso dos amigos (risada inclusive de piadas gastas), na boa leitura, na arte, na música, no aprendizado de coisas novas, nas reflexões construtivas e nas relações afetivas. Ganha-se tempo investindo em missões transformadoras, apaixonando-se pelas causas justas.

É nosso dever se reeducar. Aproveitar todos os segundos da experiência da vida. O tempo vai sempre mudar. Se não o transformarmos num aliado, será nosso inimigo. Feliz de quem aprender a aproveitar o tempo, no tempo dele.

José Roberto de Castro Neves é sócio do Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados.