Ao longo das últimas décadas, o Pátria Investimentos construiu uma imagem de sofisticação no mercado financeiro de São Paulo, com investimentos de private equity que levaram a firma a uma sociedade com o Blackstone e a um IPO na Nasdaq que deve sair esta semana, potencialmente dando ao Pátria um valor de mercado de mais de US$ 2 bilhões.

Mas por trás desta imagem, e de investimentos que deram muito certo, há também clientes furiosos, que perderam 99,7% de seu capital num fundo gerido pelo Pátria — e 89% em outro. Esse grupo de mais de 20 investidores está se organizando para entrar com uma arbitragem contra a gestora fundada por Alexandre Saigh, Olimpio Matarazzo e Otavio Castello Branco.

11308 6b2dab41 1c5d 59ed bd64 6c30c7f9d3ccA lista de clientes inclui famílias ricas do Rio e de São Paulo, além de três fundos de pensão que já reclamaram da gestão de um dos fundos do Pátria à CVM, acusando a gestora de “descumprir seus deveres fiduciários”.

Os problemas dos clientes começaram em 2012, quando o Pátria lançou o Pátria Special Opportunities I, um fundo que levantou R$ 1 bilhão com investidores e captou mais R$ 1 bi em dívida para investir no setor de shopping centers.

A grande ideia do Opportunities era a Tenco, uma desenvolvedora e operadora de shoppings com sede em Belo Horizonte que seria a plataforma para uma expansão nacional no setor.

Nos primeiros anos, a coisa parecia ir bem. Os relatórios do Pátria mostravam um negócio em expansão, com resultados sólidos e que controlava 13 shoppings e administrava outros três. A cota também estava se valorizando, crescendo em linha com o CDI até 2016 e perdendo para ele nos anos seguintes.

A primeira luz amarela só apareceu em janeiro do ano passado, quando o Pátria anunciou que os shoppings da Tenco haviam sido reavaliados, reduzindo o valor da cota em quase 40% e levando os investidores a perder uma parte do principal investido.

Na época, o Pátria disse que a reavaliação ocorreu depois que a Cushman & Wakefield — a nova consultoria contratada para avaliar os shoppings — foi mais conservadora e projetou um fluxo de caixa na perpetuidade menor que a CBRE, a consultoria anterior, reduzindo o valor presente da Tenco em 38%.

Mas a coisa ainda iria piorar. Cinco meses depois, já no meio da pandemia, uma nova reavaliação fez saber aos investidores que eles haviam perdido 99,7% do capital investido. A cota do fundo, que começou valendo R$ 1.000 e chegou a bater R$ 1.500, agora estava marcada pouco acima de R$ 4.

Os investidores também descobriram depois que o buraco da Tenco era bem mais embaixo — e já vinha de anos.

Desde 2016, as despesas financeiras da Tenco aumentaram brutalmente, levando a companhia a apresentar prejuízos crescentes ano após ano. Em 2019, o prejuízo foi de R$ 126 milhões; nos oito anos do fundo, as perdas somaram mais de R$ 500 milhões.

Uma fonte próxima ao Pátria admite que o investimento na Tenco foi um “erro de timing de mercado,” que acarretou numa estrutura de capital errada para o tamanho e crescimento da empresa.

Segundo essa fonte, o Pátria tentou renegociar as dívidas com os credores, conseguiu alongar o prazo de algumas delas, e fez diversos esforços para buscar um investidor ou uma capitalização que melhorasse a estrutura de capital do negócio.

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Os problemas com o Pátria não se restringem apenas ao Opportunities. Investidores de um outro fundo, o Alpha Co. — criado para investir na Alphaville — também reclamam de “má gestão” e perdas substanciais do capital investido.

Em 2013, o Pátria pagou US$ 700 milhões por 70% da companhia de loteamentos; metade do capital vinha do Blackstone. Seis anos depois, o Blackstone abriria mão de sua participação na Alphaville pelo valor simbólico de R$ 1.

Em dezembro, o Pátria levou a Alphaville para a Bolsa, com a ação saindo a R$ 29,50 no IPO. Hoje, ela negocia a R$ 22, dando à companhia um valor de mercado de R$ 500 milhões.

Depois do IPO, os cotistas do fundo Alpha — a esta altura perdendo 89% do capital — pediram ao Pátria para dissolver o fundo e distribuir as ações para que eles pudessem vendê-las no mercado.

O Pátria se negou, e continua cobrando a taxa de administração por um fundo que investe apenas numa única empresa listada.

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No Opportunities, a história teve contornos ainda mais bizarros.

Segundo a reclamação dos fundos de pensão à CVM, pouco depois de nocautear as cotas para praticamente zero, o Pátria fez um “call extraordinário” com os cotistas do fundo para apresentar uma “nova oportunidade”: investir mais R$ 250 milhões na Tenco, com uma estimativa de retorno de 48% ao ano (!) até 2024.

PátriaO Pátria chamou a operação de um “coinvestimento” — segundo os fundos de pensão, uma manobra para evitar que a decisão passasse por uma assembleia geral de cotistas — e deu aos atuais investidores um “direito de preferência” para subscrever as novas cotas.

Na prática, a chamada de capital disfarçada diluía em 95% os cotistas que não participassem da subscrição, colocando os investidores entre a cruz e a espada: ou faziam um writeoff integral do principal ou tentavam reduzir as perdas com um novo investimento.

“A sensação que eu tive é que eles foram numa mesa de pôquer, perderam todo o nosso dinheiro e agora precisavam de mais dinheiro para recuperar a perda,” disse um cliente que viu seu investimento virar pó.

Uma fonte próxima ao Pátria diz que o aumento de capital por meio de “coinvestimento” era uma prerrogativa do fundo, prevista no estatuto. Além disso, segundo a fonte, o Pátria não tinha obrigação legal de oferecer o direito de subscrição para os cotistas, mas o fez para “criar uma forma de compensar a diluição”.

A oferta para levantar os R$ 250 milhões continua aberta. Até agora, segundo clientes, o Pátria conseguiu levantar R$ 106 milhões, mas cerca de R$ 70 milhões vieram de sócios do Pátria ou de fundos da própria gestora, entre eles o Pátria Real Estate II e Private Equity III — que já eram investidores e exerceram seu direito de subscrição.

Segundo os clientes, as participações cruzadas dos fundos da casa revelam um modus operandi. “O Pátria usa seus veículos em cascata, para o bem ou para o mal. Isso não é ilegal, mas é bem conflitante, para dizer o mínimo,” diz um deles.