Depois que ficou público o processo em que o Kabum questiona a assessoria recebida do Itaú em sua venda para o Magazine Luiza, relatos dos bastidores das negociações ajudam a entender o que estava em jogo em 2021, quando o negócio foi fechado.
Em julho daquele ano, o Magalu anunciou a compra do Kabum por R$ 3,5 bilhões, dos quais R$ 1 bilhão seriam em dinheiro e à vista, e o restante na forma de 125 milhões de ações do Magalu em tranches de 6, 12 e 18 meses.
Cerca de duas semanas depois deste anúncio, Leandro Ramos, um dos fundadores do Kabum, escreveu ao Magalu perguntando se “seria possível eventualmente recebermos a parcela caixa em ações,” segundo uma troca de mensagens a que o Brazil Journal teve acesso.
A negociação para receber tudo em ações não foi adiante – e o humor dos fundadores do Kabum mudou bastante nos meses seguintes, quando as ações do Magalu despencaram, segundo pessoas que conviveram com eles à época.
O negócio foi fechado quando a ação da varejista estava em torno de R$ 20. Em novembro daquele ano, já valia menos da metade.
Foi mais ou menos nessa época que Leandro e seu irmão e sócio, Thiago Ramos, renegociaram alguns termos do contrato de venda. Conseguiram metas mais brandas para o earnout, que passaria a valer com o atingimento de 50% das metas (na assinatura, o percentual era de 70%).
A contrapartida foi que o pagamento de R$ 1 bilhão em dinheiro, que seria à vista, foi feito em duas parcelas, a última em janeiro deste ano.
Além disso, no fim de novembro de 2021, os irmãos se reuniram com Frederico e Luiza Trajano para discutir a queda das ações, que estava reduzindo o valor recebido por eles pela venda do Kabum.
Nessa reunião, os Trajano lembraram que não têm controle sobre o preço dos papéis, mas disseram querer que os irmãos fossem “felizes” para o Magalu, segundo pessoas próximas à varejista.
Os Trajano perguntaram então se os fundadores do Kabum queriam desfazer o negócio. A resposta foi ‘não’.
No processo contra o Itaú, os fundadores dizem essencialmente que tomaram decisões erradas porque não sabiam do que hoje alegam ser conflitos de interesse do banco, que os estava assessorando na venda: entre eles, o fato de Ubiratan Machado, o executivo do Itaú que atuou pelo Kabum na negociação, ser concunhado de Frederico Trajano. (A esposa de Ubiratan é irmã da esposa de Trajano.)
Além disso, os irmãos vêem um conflito no fato de, logo após a compra do Kabum, o Magalu ter anunciado uma oferta de ações coordenada pelo Itaú.
No processo judicial que pede acesso a documentos do Itaú – que viralizou ontem – o Warde Advogados, que representa os irmãos Ramos, afirma que o contrato de venda para o Magalu foi “profundamente mal negociado e desvantajoso para os autores.”
A peça do escritório critica o fato de boa parte do pagamento ter sido feita em ações, o que teria deixado os irmãos à mercê da Bolsa. “O contrato não previu nenhum mecanismo contratual que garantisse a preservação do valor do preço na data do fechamento.”
Os advogados dos Ramos alegam ainda que o Itaú “deu preferência” ao Magalu em detrimento de outras empresas que estariam interessadas no Kabum.
Mas conversas com profissionais que acompanharam as negociações sugerem que o processo de venda do Kabum foi longo e competitivo, e que a empresa recebeu quatro propostas, além da do Magalu.
A primeira foi feita pela Whirlpool, que ofereceu R$ 2,4 bilhões em setembro de 2020. Por meio do Itaú, os irmãos fizeram uma contraproposta de R$ 3,8 bilhões, que não foi aceita. De acordo com esses profissionais, os irmãos negociaram diretamente com as Lojas Havan e, em fevereiro de 2021, disseram ao próprio Itaú que haviam fechado “um negócio multimilionário”. Segundo eles, Luciano Hang estaria disposto a pagar R$ 3,5 bilhões, parte em opções de ações que teriam valor se o IPO da Havan ocorresse. Mais uma vez, o negócio não foi adiante.
Em março de 2021, a B2W fez uma proposta de R$ 4 bilhões, parte em dinheiro e parte em ações. Fechou um contrato de exclusividade, fez due diligence, e em seguida desistiu.
Depois da desistência da B2W, os irmãos pediram que o Itaú sondasse outros varejistas.
Em maio de 2021, a Via fez uma proposta verbal que previa boa parte do pagamento em ações e avaliava o papel da Via em R$ 16 (na época, a ação era negociada a R$ 12).
O Magalu, que havia feito uma proposta de R$ 1,8 bilhão em janeiro de 2021, fez a proposta final de R$ 3,5 bilhões, que foi aceita em julho.
“É claro que houve outras propostas pelo Kabum. Isso não está em discussão. Mas as propostas só caminham se houver empenho dos assessores em fazê-las andar,” diz um profissional próximo aos fundadores do Kabum. “Com certeza, houve empenho em uma proposta.”
Para outra fonte, próxima ao Magalu, “esse foi um negócio estritamente papai e mamãe. Lefosse de um lado e Machado Meyer do outro, BTG de um lado, Itaú do outro. A única coisa que não funcionou é que boa parte foi paga em ações, e a ação derreteu.”