“O lucro é meu e eu ajusto do jeito que eu quiser.”
A ironia de Lucas Schneider (@gerandoalfa) no Twitter era sobre o lucro de US$ 10 milhões no primeiro trimestre do Nubank, excluindo da conta a remuneração dos executivos. Sem o ajuste, o banco digital teve um prejuízo de US$ 45 milhões.
O Nubank também fez ajustes na hora de reportar a inadimplência – que foi o foco do mercado apesar de uma execução estelar, que fez a receita bater US$ 877 milhões, uma alta de 226% e um recorde para o banco.
Segundo o neobanco, a inadimplência acima de 90 dias ficou em 4,2%, uma alta de 70 pontos-base em relação ao quarto tri e um pouco acima do aumento de 60 pontos-base reportado pelo Bradesco no mesmo tri.
O Nu disse que, “se ajustado pela sazonalidade e mix de produtos”, a alta foi menor, de 30 pontos-base, e ficou “em linha com as expectativas”.
A questão da sazonalidade no primeiro tri faz todo sentido, pois historicamente todos os bancos sofrem com o aumento da inadimplência depois dos gastos do fim de ano, disse um gestor.
Mas o “ajuste pelo mix” – uma referência ao aumento do crédito pessoal na carteira de crédito total do Nubank de 21% no tri anterior para 23% no primeiro tri – faz menos sentido. (Os 77% restantes são de cartões de crédito.)
“Entendo que o Nubank esteja querendo dizer que cartão de crédito tem inadimplência menor que crédito pessoal, que cresceu mais no trimestre, por isso, o ajuste, ” disse um gestor. “Mas faltou dizer que essa mudança de mix também impulsionou o crescimento da receita, que poderia ter sido ajustada também.”
Um outro gestor, vendido em Nubank, disse que caberia um ajuste também na receita média por cliente. “É claro que o ARPAC [average revenue per active customer] vai aumentar se você está emprestando com spreads maiores,” disse.
Mas o que mais chamou a atenção, segundo um analista, foi o aumento da inadimplência de 15 a 90 dias, que subiu 1,1 ponto – ou 80 pontos-base com o tal ajuste – para 3,7%, a maior da série divulgada pelo Nubank, superando os 3,6% do 1T20 .
“Acho esse número relevante pelo perfil de cliente do banco. É um dado que tem mais volatilidade e deve ser olhado com mais cuidado. Mas acredito que seja de onde poderá vir uma luz amarela primeiro,” disse o analista. “Não está assustadoramente alto, mas é o pior número da série.”
Para ele, o Nubank continua muito forte do ponto de vista de aquisição e engajamento dos clientes, mas o resultado piorou de qualidade.
Outro investidor fez as contas e disse que a inadimplência acima de 90 dias ajustada ao crescimento da carteira teria sido de 6,5% e não 4,2% – acima dos concorrentes.
“Não sei se o mercado fez vista grossa, mas olhando as demonstrações financeiras, o Nubank tem write-offs relevantes, ou seja, ele baixa a prejuízo os créditos e ‘limpa’ o balanço, o que justifica as altas despesas de provisão.”
Segundo esse gestor, considerando os write-offs e os NPLs, a carteira problemática do Nubank teria sido de 9,6% no trimestre.
No Itaú, o analista Pedro Leduc também notou a piora na qualidade de crédito. “No geral, os resultados mostram uma boa execução em termos de crescimento de receita, mas o Nubank também está enfrentando os desafios de custos.”
O Nubank disse no call de resultados que a qualidade de crédito está se comportando conforme o esperado e não vê motivo para mudança de estratégia. “A maioria dos outros players está apertando os padrões para concessão de crédito, então o Nubank pode estar enfrentando uma seleção adversa ao manter seu curso,” escreveu Leduc.
No BTG, os analistas Eduardo Rosman, Ricardo Buchpiguel e Thiago Paura disseram que é difícil não ficar impressionado com o crescimento que o Nu entregou, mas temem que muitos olhem o copo meio vazio.
“Não nos entendam mal: nossa recomendação de ‘venda’ tem muito mais a ver com o valuation, que achamos muito difícil de justificar, pois vemos o Nubank muito mais como um banco do que como uma uma empresa de software,” escreveram os analistas. “Além disso, acreditamos que o ciclo de crédito está piorando, principalmente nos segmentos aos quais o Nubank está mais exposto.
Os analistas disseram que, embora o Nu possa provar que estão errados, eles nunca viram alguém crescer na velocidade do Nubank sem enfrentar problemas mais à frente.
Os analistas do BTG disseram que são “grandes fãs da história, da marca e do produto”, mas negociando a cerca de 4,2x book e considerando o fim do lockup, eles ainda acreditam que a recomendação de venda faz sentido.
A ação do Nubank subia 3,33% por volta das 13h, cotada a US$ 4,50 na NYSE. O papel negocia hoje a metade do preço do IPO.