O transtorno bipolar é uma doença psiquiátrica caracterizada pela alternância, às vezes súbita, entre a depressão e a euforia. Peço perdão aos que sofrem desta doença, sei quão difícil é o tratamento, mas não há palavra melhor para descrever o comportamento da curva de juros brasileira, que precifica alta de juros neste segundo semestre (quase 150bps) e, PASMEM, cortes já no começo de 2025. 

Assim como um médico, não basta remediar. É preciso também entender a causa da doença. Vamos ao diagnóstico.

Ao longo do primeiro semestre, houve uma piora drástica na percepção sobre a política econômica brasileira. Do lado fiscal, víamos uma estratégia de ajuste apenas pelo lado da receita; conhecendo a história econômica, sabíamos que ela estava fadada ao fracasso. 

Do lado monetário, houve uma desconfiança crescente em relação à leniência do próximo BC com as metas de inflação; seu clímax foi a estranha decisão dividida no Copom de maio. Naturalmente, essa percepção pior de risco teve reflexo na nossa taxa de câmbio.

Ainda no primeiro semestre, tivemos uma percepção pior da inflação americana (muito explicada por sazonalidade residual) bem como dados mais fortes de atividade. Vimos até alguns analistas incautos flertando com a tese de “no landing” e o ex-secretário do Tesouro, Larry Summers, falando em alta de juros – um belo sinal “contrarian”. 

A Treasury de 10 anos, a mãe de todos os ativos, foi para a região de 4,70% em abril. Como se sabe, quanto maior a taxa de juros americana, a barra para a política econômica aqui fica mais alta, e precisávamos fazer o dever de casa. 

Em junho, uma fonte adicional de pressão na taxa de câmbio: o desmonte das posições de carry trade. Por último, a queda das commodities, em especial do minério de ferro, também foi um vetor negativo para o Real.

Por mais que o BC diga que não existe uma relação direta entre a taxa de câmbio e a política monetária, há uma correlação forte entre o dólar e a taxa de juros curta (até 2 anos, o horizonte da política monetária). Dito isso, a curva de juros entrou em pânico quando viu o dólar furando R$ 5,70. 

Não foi só o mercado que entrou em pânico, o governo também. E o aprendizado de mercado diz que, quando o governo ‘panica’, o mercado deveria se acalmar.

Houve claramente um ponto de inflexão na política econômica. Do lado fiscal, Haddad mudou de estratégia e passou a anunciar medidas do lado do gasto, até mesmo no BPC, o benefício de um salário mínimo pago a idosos e/ou pessoas com deficiência. Foi anunciado um bloqueio/contingenciamento de R$ 15 bilhões e há sinalização forte de um novo bloqueio em setembro.

Consultores políticos dizem que, ao menos por enquanto, Haddad tem carta branca para cumprir o resultado fiscal deste ano e dar sobrevida ao arcabouço fiscal. Até mesmo o Presidente Lula parece ter mudado da água para o vinho nos seus discursos, deixando de atacar o presidente do BC e repetindo inúmeras vezes que tem responsabilidade fiscal. 

O problema fiscal não está resolvido, longe disso. Mas há uma clara mudança de direção, imperceptível para os mais céticos. O mesmo pode ser dito do lado da política monetária. Os diretores indicados pelo governo perceberam o desastre que foi a decisão de maio. Em seguida, vimos decisões consensuais e responsáveis, mostrando compromisso com a meta de inflação. 

Houve também um ponto de inflexão nos EUA. A inflação começou a ceder a partir de abril. Os custos com habitação, que eram uma preocupação, mostram agora uma clara trajetória cadente; e bens seguem em deflação. Desta forma, as preocupações agora se voltam para a atividade, mais especificamente o mercado de trabalho. A taxa de desemprego já subiu quase 1 ponto percentual do patamar mínimo, uma dinâmica historicamente compatível com recessões. Por último, a comunicação do Fed mudou, com a preocupação principal migrando da inflação para o mercado de trabalho. É impossível saber de antemão se teremos um pouso suave ou forçado, mas as chances de uma guinada dovish do BC americano neste cenário aumentam exponencialmente. 

Em relação ao carry trade, a boa notícia é que o desmonte parece ter acabado ou estar próximo do fim, e novas posições já estão sendo montadas. Já em relação às commodities, existe a expectativa de novos estímulos do governo chinês, incluindo medidas pro setor imobiliário.

À luz disso tudo, por que o Copom deveria considerar uma alta de juros em setembro? 

O principal argumento é recuperar credibilidade e reancorar as expectativas. De fato, temos expectativas de inflação desancoradas, embora as implícitas pareçam estar em trajetória cadente recentemente. Meu diagnóstico é que o problema de credibilidade fiscal é muito maior que o de monetária, e tenho convicção de que uma alta dos juros não resolverá o problema fiscal – e pode certamente agravá-lo ao piorar a dinâmica da dívida. 

Há quem argumente por uma alta de juros cosmética, um ou dois movimentos de 25 bps, o famoso “me engana que eu gosto”. Mas é um erro achar que esse movimento seria inofensivo. Quando o BC começa a subir juros, o mercado sempre pede mais, e aí o estrago já está feito. 

A taxa de juros real de um ano, mais relevante para a economia, está atualmente próxima de 7,5%, 275 bps acima da taxa neutra do BC. Ou seja, a política monetária já está bastante restritiva. Dito isso, o Copom pode se dar ao luxo de esperar, mantendo a Selic parada, ainda mais na iminência de um ciclo de cortes de juros do Fed. 

Testamos os limites da política monetária no Brasil ao levar a Selic para 2% e a taxa de juros real de um ano para território negativo.  Depois fizemos um aperto muito agressivo de 1.175 bps. 

Esta volatilidade absurda na curva só interessa aos operadores de juros. O resto da sociedade, incluindo as empresas, preza por estabilidade e cautela.

Rafael Ihara é economista pelo Insper com mestrado pela PUC-Rio, e economista-chefe da Meraki Capital.