O Brasil adora um projeto-piloto.
Sempre tem uma escola modelo, uma cidade-laboratório, uma favela “smart”, um aplicativo para agilizar a vida do cidadão. A narrativa é sempre de inovação, impacto e potencial de escala. Mas aí não escala.
O Brasil virou um país especialista em testar sem transformar. Em fazer laboratório, mas não política pública. Um lugar onde ideias boas têm prazo de validade curto – geralmente o mesmo tempo de vida do mandato de quem as lançou. A polarização não ajuda. Afinal, o que vem do outro lado “não presta”.
Parte do problema está no vício da novidade. Cada gestor quer deixar a sua marca, o que para muitos deles significa reinventar a roda com um logo novo. E, claro, uma inauguração. O político brasileiro adora uma inauguração – e o povo vai.
Em 2024, conversando com James Robinson – o professor de Chicago e coautor de Por que as nações fracassam? – ele me disse que a América Latina sofre de um problema estrutural: “vocês têm um vício em novidades.” Não é uma crítica ao entusiasmo por inovação, mas à incapacidade crônica de consolidar o que funciona. Preferimos o projeto inédito ao projeto duradouro.
A consequência é um cemitério de projetos-piloto promissores que nunca viraram sistema, nunca viraram política e – claro – nunca chegaram onde mais importava: na ponta.
A escola de Sobral, no Ceará, continua sendo estudada por organismos internacionais, mas ainda é tratada como exceção exótica, não como modelo replicável. O prontuário eletrônico nacional é elogiado, mas não avança nas UBSs. E iniciativas bem-sucedidas de segurança pública viram case – até a troca de comando ou de gestão local.
O setor privado também tem culpa: parte do empresariado e do terceiro setor se contenta com impacto de comunicação. Prefere financiar um piloto premiado a bancar a implantação real. É mais fotogênico, custa menos e dá para pôr no relatório ESG. Também há pouca interação entre esses atores quando o objetivo é solucionar algo.
O Brasil tem dificuldade com a palavra “estrutura”. Escalar exige padrão, orçamento, governança, continuidade – tudo aquilo que aqui soa meio chato, meio técnico demais. O improviso criativo ainda seduz mais do que a máquina pública que funciona. O sebastianismo e o culto à personalidade fomentam esse comportamento e premiam o político que confia na própria intuição acima de tudo.
Essa dificuldade de escalar políticas públicas não é só uma impressão; é um traço documentado. A cientista política Marta Arretche já observava, há duas décadas, que o Brasil tem baixa capacidade de transformar boas práticas em aprendizado estrutural. Segundo ela, o desenho de políticas públicas no País ainda é “altamente vulnerável à lógica eleitoral e à rotatividade de cargos, o que dificulta o acúmulo técnico e o aprendizado institucional.”
O leitor pode dizer que estou sendo excessivamente crítico, afinal, o Brasil já escalou programas como o Bolsa Família, o SUS, o Cadastro Único, o próprio PIX. E é verdade: quando o País acerta, acerta grande.
Mas é justamente aí que está o ponto. Esses exemplos são lembrados com tanta frequência porque destoam de uma cultura institucional em que escalar é exceção, não regra. Quando conseguimos fazer um piloto virar política pública, tratamos como milagre. E isso revela mais sobre o ambiente ao redor do acerto do que sobre sua capacidade de se reproduzir.
Enquanto isso, outros países entenderam que piloto não é fim, é meio.
A Coreia do Sul testou escolas digitais nos anos 90 e, em vez de deixar o projeto morrer na burocracia, integrou o modelo ao sistema nacional. Hoje, é referência global em educação e inovação.
Ruanda começou com drones entregando sangue em zonas remotas. Hoje, mais de 75% das entregas médicas urgentes do país são feitas por via aérea.
E a Finlândia testou oferecer moradia antes de qualquer exigência a pessoas em situação de rua. Funcionou. Resolveram.
O resultado por aqui é um país que coleciona boas ideias órfãs, administradas como exceções e tratadas como espetáculo.
Como escreveu Mario Vargas Llosa, “quando a política vira espetáculo, a democracia se esvazia.”
O Brasil precisa parar de aplaudir projetos-piloto como se fossem fins em si. E começar a cobrar políticas públicas que resistam ao tempo, aos ciclos e às vaidades. Um bom piloto é apenas o começo. O que muda o País de verdade é a capacidade de transformar exceção em regra.
Lucas de Aragão é mestre em ciência política e sócio da Arko Advice.