O Brasil político tem dois andares.

No de cima, as manchetes: Lula contra Bolsonaro, Congresso contra STF, vilões e heróis. É o andar que alimenta o vício da polarização, que gera audiência e cliques.

Mas, o andar de baixo, nas entrelinhas, é onde a maioria das decisões que de fato moldam negócios e futuros são tomadas.

O problema é que nossa atenção está viciada nas manchetes. O noticiário nos treina a buscar emoção, não reflexão. Como uma enchente que inunda tudo, mas nos deixa sem água potável, temos excesso de informação – e falta de informação. 

Enquanto a polarização domina as manchetes, discussões centrais para o futuro do País avançam quase sem ruído. O marco da inteligência artificial, por exemplo, está em fase decisiva na Câmara, na Comissão de Inteligência Artificial, presidida por Luísa Canziani (PSD) e relatada por Aguinaldo Ribeiro (PP). É uma regulação que pode colocar o Brasil entre os primeiros países do mundo a adotar um marco legal para o tema, com impactos diretos sobre inovação, segurança de dados, atração de investimentos e competitividade.

Pouco espaço na imprensa, debate público silencioso, mas um tema que deveria estar no radar de qualquer investidor, executivo ou formulador de política.

Outro caso é a MP 1303, relatada por Carlos Zarattini (PT), que pode alterar a tributação de instrumentos como LCI, LCA e debêntures incentivadas. Aqui, o impacto é imediato: mexe no bolso de investidores e no financiamento do setor produtivo. A atenção das manchetes está voltada para a anistia, enquanto temas como a MP 1303 correm com menos visibilidade.

O mesmo se viu no caso do Banco Master. Riscos reais ao sistema financeiro permaneceram anos nas entrelinhas até se tornarem impossíveis de ignorar.

E não são apenas estes exemplos. Há discussões muito relevantes em curso, como projetos de lei que tratam do streaming no Brasil e vetos ligados ao licenciamento ambiental que serão debatidos no Congresso. Todos esses temas estão sendo empurrados para a sombra, escanteados pelo noticiário que insiste em girar em torno da polarização – puxando nossa atenção. 

Nos Estados Unidos, um sistema eficiente conecta a polarização da sociedade às decisões do Congresso. Republicanos e Democratas carregam identidades claras, e a disputa nacional se reflete em pautas nacionais. O eleitor, diante de dois partidos coesos, é obrigado a escolher uma visão de país. Se opta por um lado, sabe que isso significa um conjunto relativamente claro de políticas públicas. Se opta pelo outro, escolhe um projeto distinto. Isso dá mais clareza ao debate nacional e torna o processo mais eficiente, ainda que não necessariamente melhor.

No Brasil, o sistema é ineficiente. E isso não é só defeito. Aqui, sobretudo na Câmara, o parlamentar não depende de um alinhamento nacional para sobreviver politicamente.

As emendas impositivas garantem recursos para o reduto. Muitas vezes, isso já basta para assegurar a reeleição. O deputado vive em seu feudo. O eleitor vota mais na obra entregue, na verba liberada e no benefício local.

Além disso, pesa o reconhecimento político do candidato, se ele é conhecido ou não. Pesa também a influência que ele exerce sobre lideranças locais: comunitárias, empresariais, religiosas, prefeitos e vereadores. É a capacidade de se inserir e de se projetar na engrenagem que move o município.

O Parlamento hoje é o fórum mais importante de formulação e modulação de políticas públicas. E o eleitor, ao votar em seus congressistas, não vota com uma clara visão de País.

Nossos partidos são heterogêneos e fragmentados. O Centrão evita grandes avanços, mas também evita grandes retrocessos. Essa ineficiência funciona, paradoxalmente, como um seguro institucional.

No fim, o País avança não por convicção, mas por estresse. Foi assim com o Plano Real, com a Previdência, com a Reforma Trabalhista e o Marco do Saneamento. Só no limite da crise é que surge algum consenso. E foi justamente no consenso causado pelo estresse que nasceram as melhores soluções que o Brasil já viu.

A decisão raramente nasce da ideia. Ela nasce da pressão. O agro, por exemplo, barrou a tentativa de Bolsonaro de transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. Isso colocaria em risco bilhões de dólares em exportações para o mundo árabe. O mercado pressiona via câmbio e juros. A igreja evangélica pressiona por meio de uma base coesa de mais de 30% do eleitorado. É assim que a pirâmide do poder brasileiro se move: quando a base estressa.

Para empresários, investidores e lideranças, a lição é simples: não se deixem hipnotizar pelo andar de cima das manchetes. O Brasil real está nas entrelinhas, nos projetos de lei pouco discutidos, nos relatores, nos presidentes de partido, no estresse que lentamente empurra para uma solução. 

É nesse subterrâneo que se decidem as regras que afetam setores inteiros. O desafio é deslocar o olhar para onde as decisões de fato acontecem.

O Brasil não se organiza pelo que sonha, mas pelo que precisa evitar.

Lucas de Aragão é mestre em ciência política e sócio da Arko Advice.