Seja a covid-19 apenas o fator acelerador, ou o próprio incidente incitante, os governos assumiram papéis centrais em nossas vidas, enquanto o pano de fundo é uma Nova Guerra Fria nas arenas comercial e tecnológica, agora entre os EUA e a China.
Semana passada, o governo federal, que comete erros recorrentes em saúde pública, política ambiental, segurança, justiça e educação, enviou ao Congresso uma proposta de Reforma Administrativa. Naturalmente ainda não há consenso, mas destravou-se uma discussão que em muitos pontos dependia da iniciativa do Executivo. É um bom começo para uma ambiciosa discussão no Congresso em direção a uma transformação da sociedade brasileira.
Reconhecer profissionais públicos excelentes deve ser o primeiro passo para a transformação do Estado. Gestão de pessoas importa. O capital simbólico e a motivação inerente ao serviço público devem ser celebrados e potencializados. Toda mudança partirá daí.
Somos um país estatocêntrico onde 35% da riqueza é recolhida e redistribuída por governos, além de termos inúmeras regulamentações. Não há nada errado com isso, muitos países desenvolvidos também são assim. Engana-se quem pensa que gastamos demais com servidores ativos. Este custo se manteve em torno de 10% do PIB nas últimas duas décadas, que é a média da OCDE.
As distorções brasileiras em relação ao PIB acontecem em aposentadorias e pensões — que já foram parcialmente endereçadas na Reforma da Previdência — e ficam ainda mais evidentes na fotografia atual, quando governos por todo o País estão vivendo crises de arrecadação devido à pior década econômica da nossa história.
Com a atual expansão monetária e fiscal, nunca o dinheiro público contou tanto. Em resposta à covid, e após ela, é fundamental que o dinheiro público seja bem gasto. Mas governos não são apenas uma questão fiscal. Cada vez mais se tornam uma questão essencial. Governos que não entregam o que é combinado geram crises de representatividade, o que diminui a confiança entre as pessoas e o sentido de propósito comum. Governos são os fiadores da solidariedade social e intergeracional.
A resposta do governo a problemas de ação coletiva faz toda a diferença. A covid provou isso. Boa governança pública tem sido a melhor resposta à crise sanitária e à crise econômica. E nossos próximos desafios, como a crise climática que já nos afeta, a necessária redução de desigualdades (inclusive para permitir maior crescimento econômico), e possíveis novas pandemias zoonóticas demandarão Estados responsáveis, responsivos e respeitados.
No Senado e na Câmara existem hoje quatro frentes parlamentares que estão ativas na discussão de possíveis mudanças no capital humano e na organização do Estado, nos três níveis e nos três Poderes. Este tema é tão urgente e potente que estes grupos poderiam também se unir numa ampla frente pelo Brasil.
A discussão já não é mais sobre um Estado maior. É sobre um Estado melhor. E, por isso, é fundamental ir além da discussão fiscal. Devemos evoluir para uma diálogo expandido, inclusivo e construtivo, numa conversa pública que é uma oportunidade para vislumbrarmos e formularmos um futuro melhor. Não se trata de supor que o país dispõe agora de uma página em branco para se reinventar. Parte-se da realidade existente. Mas estamos diante de uma oportunidade de fazer muito melhor com uma reorganização do Estado e com o reconhecimento das pessoas que nele trabalham.
É necessária uma atenção constante ao melhoramento da governança pública a partir de referências internacionais, e com a participação da OCDE e do PNUD, o que já está sendo articulado no Congresso. Isto tem o objetivo público de preparar o Estado para reduzir iniquidades, garantir liberdades individuais e corrigir imperfeições econômicas.
As eleições municipais proporcionarão ao país uma mudança na conversa sobre governos. É hora de abrir espaço para a renovação de propostas e abordagens. Agora é para valer. É o momento de transformarmos o Estado em governos mais presentes, competentes e eficazes. Governos importam mais do que nunca, e hoje o Brasil sabe disso.
Rodrigo Maia é presidente da Câmara dos Deputados.