Já não é de hoje que as discussões políticas foram dominadas pelo binarismo e a falta de reflexão. Não ficamos menos inteligentes; simplesmente paramos de treinar nossa capacidade de refletir.
O filósofo canadense Marshall McLuhan já alertava sobre como formatos rápidos de comunicação, muitas vezes disfarçados como entretenimento, estavam substituindo o debate reflexivo. Décadas depois, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em seu livro Sociedade do Cansaço, apontou o que todos já sabemos: o excesso de estímulos está aniquilando nossa capacidade reflexiva.
Dados recentes reforçam essa tendência. Um estudo de 2023 da OCDE revelou que uma parcela significativa da população adulta apresenta níveis preocupantemente baixos de proficiência em literacia. Mais de 160 mil adultos em 31 países foram avaliados, e os resultados demonstraram uma queda acentuada em comparação a uma década atrás.
Na política atual nos acostumamos a essa nova era de informações e reações rasas e instantâneas. Mas nem sempre foi assim. Na presidência de Franklin D. Roosevelt, entre os anos 1930 e início da década de 1940, o Presidente organizava seus fireside chats, longos discursos transmitidos pelo rádio.
Esses pronunciamentos abordavam temas importantes, como a recuperação econômica após a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, e tinham audiências históricas. Em dezembro de 1940, quando prometeu apoio ao Reino Unido na guerra contra os nazistas, aproximadamente 59% dos ouvintes de rádio nos EUA sintonizaram seu discurso. Um ano depois, em dezembro de 1941, dois dias após o ataque japonês a Pearl Harbor cerca de 62 milhões de americanos ouviram Roosevelt.
Esses momentos ilustram como uma comunicação calma e reflexiva era valorizada em tempos críticos.
Por outro lado, décadas mais tarde, em 1960, outro momento chave marcaria uma grande mudança na maneira como consumimos política.
No primeiro debate presidencial televisionado entre John F. Kennedy e Richard Nixon, a reação instantânea e a aparência fizeram a diferença. Quem assistiu pela televisão percebeu uma clara vantagem de JFK, especialmente por sua aparência elegante e confiante, enquanto Nixon parecia desconfortável, cansado e suado.
Já aqueles que ouviram pelo rádio não perceberam grandes diferenças. Ali, talvez pela primeira vez, a televisão mostrou que imagem e reações imediatas podiam influenciar tanto quanto ideias e argumentos.
Nas décadas seguintes, a informação continuou chegando de forma cada vez mais rápida, obrigando cidadãos a reagir com a mesma velocidade. Com a chegada da CNN e da cobertura jornalística 24 horas/dia e em tempo real, a reação aos grandes eventos também se tornou instantânea.
Assim foi a Guerra do Golfo (1991), a primeira guerra transformada em espetáculo midiático. A transmissão ao vivo pela CNN, com as imagens noturnas dramáticas de mísseis atingindo Bagdá, transformou um conflito em evento televisivo. Jornalistas, como Peter Arnett, tornaram-se celebridades pela cobertura in loco. Outros exemplos incluem Christiane Amanpour, famosa pela cobertura de dezenas de conflitos pelo mundo, e Anderson Cooper, que cobriu em tempo real e com bastante emoção as consequências do Furacão Katrina, em 2005.
Também nos anos 90 o escândalo envolvendo Bill Clinton e Monica Lewinsky tornou-se mais um exemplo de como grandes escândalos passaram a ser cobertos ininterruptamente.
Segundo o Pew Research Center, em 1998 aproximadamente 41% dos americanos acompanhavam regularmente o tema. Outro estudo apontou que, no mesmo ano, 69% dos americanos acreditavam que a mídia estava exagerando na cobertura, evidenciando o início de uma crescente desconfiança na imprensa tradicional.
A década seguinte viu o surgimento da internet e de plataformas digitais como Drudge Report e Huffington Post. O Drudge Report, com seu tom conservador, e o Huffington Post, progressista, lançaram as bases para as câmaras de eco ideológicas, aumentando a polarização política ao criar espaços de conforto informacional para diferentes grupos.
Com o tempo, essa tendência se difundiu globalmente. Hoje é comum encontrar sites e blogs com orientações políticas claras. Mesmo veículos que buscam neutralidade frequentemente acabam sendo acusados de parcialidade por diferentes grupos ideológicos, dependendo do assunto tratado.
Com a chegada das redes sociais, atingimos o ápice da comunicação curta, instantânea, emotiva e polarizada. Plataformas como Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram e TikTok aceleraram ainda mais o ciclo informacional e fomentaram ambientes polarizantes.
Em 2024, na eleição presidencial da Romênia, o candidato George Simion usou o TikTok para viralizar rapidamente vídeos curtos e emocionais, mostrando como algoritmos podem mudar radicalmente cenários eleitorais em poucas semanas.
A dinâmica atual do jornalismo também reforça essa tendência. Pense nas últimas vezes em que assistiu a programas jornalísticos na televisão aberta ou fechada.
Somos frequentemente expostos a uma enorme variedade de temas em poucos minutos. Em curtos intervalos de tempo, precisamos reagir rapidamente – quase sem espaço para reflexão – a notícias sobre esportes, acidentes de trânsito, decisões econômicas, fenômenos naturais e acontecimentos políticos nacionais e internacionais. Esse ritmo frenético privilegia a emoção imediata, e não uma reflexão cuidadosa.
Não é coincidência. O objetivo é gerar emoções e reações, não pensamento crítico e reflexão. A nova era da informação prioriza o que é memorável: conflitos, agressões, clichês.
Uma consequência dessa combinação entre déficit de atenção e excesso de informação é a polarização e o populismo. Soma-se a isso a infinita possibilidade oferecida pelas redes sociais de discordar do outro constantemente, de maneira segura e impessoal. Não precisamos mais refletir, pois já refletem por nós. Cabe-nos apenas decidir de que lado estamos.
Nesse cenário, qualquer ambiguidade política passou a ser vista como fraqueza.
Em um país polarizado como o Brasil, tentar entender nuances ou navegar por diferentes perspectivas não rende votos, apenas problemas. Somos forçados a nos posicionar de forma binária. Quem nunca foi acusado de pertencer a uma ideologia com a qual sequer concorda, simplesmente por discordar pontualmente de alguém do lado oposto?
Perdemos o desconforto com a dúvida. Certezas imediatas – seja na política, em relacionamentos, nos negócios ou na escrita – são perigosas. Respostas simples e já sedimentadas eliminam o medo da incerteza. Afinal, estaremos acompanhados por muitos que pensam igual.
Uma das maneiras de fomentar as nossas dúvidas é através da reflexão. A leitura e a escrita nos forçam a pensar com profundidade. Nenhum pensamento, insight ou opinião inicial resiste ao tempo. E temas que definem as nossas vidas precisam de tempo, não de impulso.
Como destacou o escritor americano Neil Postman, a inteligência humana é um dos atributos mais frágeis que possuímos. “Não é preciso muito esforço para distraí-la ou eliminá-la,” disse Postman, reforçando a importância constante do exercício da reflexão para protegê-la.
É na dúvida que surge espaço para reflexão profunda, crescimento pessoal e um debate onde o argumento prevaleça. Talvez seja justamente essa dúvida, hoje em falta, o elemento crucial que precisamos voltar a cultivar.
Lucas de Aragão é sócio da Arko Advice.