O crime organizado no Brasil já não depende apenas do tráfico de drogas e armas. Hoje as facções faturam dez vezes mais nos mercados lícitos do que no tráfico de cocaína.

Nos mercados de combustíveis, bebidas, ouro e tabaco, por exemplo, foram movimentados R$ 146,8 bilhões do crime organizado, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Um dos operadores financeiros deste esquema é o devedor contumaz: empresas que fazem do não pagamento de impostos um plano de negócios.  Acumulam dívidas bilionárias, fecham e reabrem o negócio com outro CNPJ, e assim sufocam concorrentes honestos e alimentam o caixa do crime.

Só no setor de combustíveis, a dívida ativa de ICMS dessas empresas já ultrapassa R$ 65 bilhões, mas menos de 1% do montante consegue ser recuperado pelos estados.

O resultado é diretamente sentido pela população e pelo setor produtivo: menos empregos, mais insegurança, menos investimentos e mais dinheiro para financiar armas, corrupção e domínio territorial. O devedor contumaz não é só um problema fiscal: é o elo que permite que bilhões de reais circulem entre o mundo legal e o ilegal.

O impacto social é devastador. Segundo a Cambridge  University Press, 26% da população brasileira já vive sob regras impostas por facções — mais de 50 milhões de pessoas. O crime organizado compra influência política, corrompe agentes públicos e impõe suas próprias leis em territórios vulneráveis.

No Brasil de hoje, não surpreende constatar o que o levantamento recente da Genial/Quaest apresentou ao País: a preocupação número 1 dos brasileiros é a segurança pública. Desde o final de 2024, o medo da violência já supera o desconforto com o andamento da economia e, inclusive, basta o simples exercício de sair às ruas, em todos os cantos do País – salvo raras exceções — para confirmar o sentimento popular do medo.

Por isso, o mecanismo de abastecimento financeiro do crime organizado precisa ser entendido e desmontado, com vistas a um ganho triplo: o enfraquecimento deste algoz da segurança pública, a potencialização do combalido caixa do Tesouro, e a proteção do setor produtivo.

Segundo o Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP), os prejuízos econômicos causados pela atuação do crime, por meio de práticas ilegais dentro dos mercados lícitos no Brasil, saltaram de R$ 100 bilhões em 2014 para R$ 480 bilhões em 2024, um crescimento exponencial.

Apenas em perdas de arrecadação, o País deixou de recolher R$ 140 bilhões só este ano.

Estima-se que, se o Brasil conseguisse recuperar apenas 10% das dívidas desses devedores recorrentes, o País teria de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões a mais por ano para saúde, educação e segurança – recursos suficientes para construir 300 hospitais públicos ou 6.000 escolas. Mais importante ainda: seria uma mensagem contundente e contrária à violência no País.

A resposta a este problema está ao alcance do Congresso. O Projeto de Lei Complementar 125/22, que cria o Código de Defesa do Contribuinte, define de forma clara o conceito de devedor contumaz e estabelece punições proporcionais para quem faz da inadimplência um modelo de negócios.

O projeto foi aprovado de forma unânime no Senado, após a repercussão pública da Operação Carbono Oculto, um marco da integração de dados e informações investigativas em nosso País.

Agora, basta que o presidente da Câmara, Hugo Motta, coloque o projeto em votação direta no plenário. O requerimento de urgência foi apresentado pelo líder do Governo, deputado José Guimarães (PT/CE), e assinado por líderes de vários partidos, mostrando consenso e pressão suprapartidária.

A aprovação das punições ao devedor contumaz no PLP 125/22 não é apenas de uma medida técnica, mas um passo decisivo para fortalecer a integridade dos mercados e proteger os interesses da sociedade. Ao combater distorções fiscais e concorrenciais, o Brasil recupera bilhões de reais para áreas estratégicas, fortalece a transparência, a economia formal e garante que todos joguem sob as mesmas regras.

É preciso sinalizar ao País que o tempo da impunidade está chegando ao fim.

Otto Alencar Filho é deputado federal pela Bahia.