A situação de mercado era favorável aos investimentos, em termos de custo dos mesmos – noves fora as flutuações associadas à nossa cacofonia política – até o começo do ano. Para que se tenha uma ideia, o componente real da TLP, que no primeiro mês de vigência da taxa – janeiro de 2018 – havia sido de 2,7%, caíra para 1,8% em março deste ano.
Sobreveio então a covid-19. O surgimento desse fenômeno – o tipo de desastre que ocorre uma vez por geração — colocou o mundo de cabeça pra baixo – incluindo a economia brasileira.
Em tais circunstâncias, o Brasil recriou, para uma inflação esperada da ordem de 3% a.a. um ambiente parecido, mal comparando, ao que se vivia quando a inflação era de 3% ao dia, no final do Governo Sarney. Ninguém em sã consciência imagina um “calote” do Governo no curto prazo mas, ao mesmo tempo, ninguém que conheça a situação fiscal botará a mão no fogo afirmando que é inteiramente certo que a dívida voltará a cair como fração do PIB antes de 2030.
Nesse contexto, o que acontece com o arranjo institucional que, por uma combinação zodiacal única, era impossível prever quando o país aprovou a TLP? O Governo, na margem, caminha para se endividar a uma taxa média nominal entre 2% e 3%, enquanto o seu principal fator de alavancagem de investimento indexa seus empréstimos a uma taxa nominal da ordem de 5%. Isso soa estranho. O prazo médio de emissão de pré-fixados, que em 2019 era de mais de 3 anos, caiu para menos de 2 anos recentemente. As emissões de NTN-Bs, que estavam se tornando relevantes até poucos meses atrás, se tornaram menos de 10% das emissões de títulos, na margem. Vender títulos longos? Eis uma tarefa árdua nos últimos tempos. O Governo tende a se endividar, basicamente, em LFT – cujo prazo não conta, uma vez que, se os juros tiverem que subir rapidamente não geram perda de capital – e prefixados de vencimento muito curto e juros baixos. Em outras palavras, exatamente no momento em que o país precisa se preparar para o pós-covid, para retomar a agenda do investimento, iremos aplicar à principal taxa de referência para este um plus em relação ao custo médio de endividamento do Tesouro.
Diante do exposto, há uma proposta simples a adotar: o Governo publicar uma MP que altere a TLP, de modo a que o componente real desta – atualmente de pouco mais de 2% – ao invés de ser baseado no vértice de 5 anos das NTN-Bs, o seja em função da maturidade média das colocações do Tesouro, com um prazo mínimo de referência de 2 anos e um máximo de 5 anos, como o atual. Assim, todo começo de novembro o BC informaria, com base na duration média das emissões de títulos nos 12 meses anteriores, se o vértice ao qual seria aplicado o fator “alfa” da fórmula – hoje em 0,74 – incidente sobre a taxa real da NTN-B seria de 2, de 3 ou de 5 anos. Esse prazo seria utilizado de janeiro a dezembro do ano posterior. A mudança permitiria “desinchar” a TLP real em 1%, o que faz toda a diferença e poderia ser um item importante de uma agenda positiva para 2021. É claro que será importante evitar que, na esteira do envio da MP, o plenário depois distorça a proposta, mas assim como o relator da MP da TLP abortou em 2017 as emendas que mutilariam a MP, não é nada que uma boa articulação parlamentar não possa contornar.
A proposta teria um ingrediente que faz sentido: caso já vigorasse, em momentos como o atual, com a economia no chão e o Governo se financiando no curto prazo e tendo uma política monetária expansionista, o prazo médio tende a ser menor e o custo do investimento tenderia a cair, pois a taxa curta e baixa afeta a ETTJ, tornando a TLP mais próxima das taxas curtas que das longas. Com a economia se recuperando, a tendência é que o ciclo de juros aponte para uma alta e o prazo de referência retorne a 5 anos, com uma TLP maior. Seria um instrumento anti-cíclico. É o que as circunstâncias recomendam.