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O ano de 2021 testou a resiliência de muitos setores da economia. A redução do poder de compra do consumidor, causada principalmente pela queda na renda do brasileiro (-5,8%) e aceleração da inflação (10,1%), puxou o varejo alimentar para uma queda de 2,4% em vendas (descontada a inflação). Este é um dos achados do mais recente estudo da McKinsey, em parceria com a plataforma de dados Scanntech, que analisou as movimentações no varejo alimentar em todas as regiões do Brasil durante o último ano.
Variação das vendas no varejo alimentar em 2021 comparado com o ano anterior
2021 vs. 2020, descontada a inflação
Um olhar sobre 2021 é de extrema importância para mapear como se posicionar no segmento, não somente em 2022, como nos próximos anos. Por isso, a pesquisa aprofundou os dados para entender os reflexos em cada região do Brasil, a dinâmica dos diferentes formatos, e as mudanças de comportamento do consumidor, para depois traçar um olhar sobre as tendências para o varejo alimentar nos próximos anos. A queda nas vendas pode parecer desanimadora, mas, na realidade, existem algumas oportunidades que podem ser aproveitadas pelos varejistas alimentares.
O estudo identificou que a desaceleração do segmento não foi homogênea no país: o Nordeste teve queda mais acentuada em unidades de venda, com -8,3%, seguido pelo Norte (-7,5%) e Sudeste (-7,3%), regiões que também tiveram maior variação na massa total de renda em 2021.
No quesito formatos, o atacarejo foi o mais resiliente no ano passado. Ele foi o único que apresentou crescimento, em aproximadamente 10%, e tem potencial de continuar expandindo conforme recentes movimentos do mercado.
De acordo com os dados da Scanntech, o ticket médio teve um aumento de 8,4% no Brasil, acompanhado de uma redução da frequência de compras (-3,2%). O impacto na cesta dos brasileiros foi desencadeado pelo encarecimento dos alimentos, decorrente do aumento dos custos dos insumos e desafios da cadeia de suprimentos. Dentre as categorias que compõem a cesta do consumidor brasileiro, perecíveis e mercearia – óleos, enlatados, massas, entre outros – se mostraram menos resilientes às pressões inflacionárias e com menos capacidade de reter o aumento de preços de suas cadeias.
Para equacionar o aumento dos preços no orçamento familiar, um crescente número de brasileiros buscou trocar produtos da sua cesta de compras por opções mais econômicas. As categorias mais impactadas por essa tendência foram arroz, produtos de limpeza da casa e produtos para lavar roupa. Buscar por preços mais baixos e optar por produtos mais econômicos são comportamentos usualmente observados em períodos de dificuldade econômica, mas a redução da frequência de compras é uma mudança particular deste período de pandemia.
Outro ponto tratado no estudo é o forte crescimento do segmento de compras online no varejo alimentar, mesmo com a retomada da presencialidade, com destaque para o ingresso de novos players não tradicionais.
Um olhar sobre as tendências em 2022 e além:
O contexto desafiador persistirá no curto prazo, impactando a dinâmica de crescimento do varejo alimentar e os hábitos dos consumidores. Com margens pressionadas e alta competição, torna-se necessário que o varejo reinvente seu modelo de geração de valor, acelere a digitalização e equacione o desafio de rentabilizar o omnicanal.
1. Sensibilidade a preços em razão do contexto econômico desafiador
Com a projeção da inflação acima da meta, estagnação do PIB, aumento da taxa Selic e incertezas decorrentes da pandemia, o cenário econômico continuará desafiador, com impacto direto no sentimento do mercado, como evidenciado nos índices FGV de incerteza da economia (IIE) e de confiança do comércio e consumidor (ICOM e ICC), ainda substancialmente piores que no período pré-pandêmico.
Com 70% dos consumidores buscando formas de economizar e 40% deles abertos a substituir produtos atualmente consumidos por alternativas mais econômicas, varejistas alimentares devem buscar adequar seu sortimento de produtos, fortalecendo a presença de marcas próprias e de alternativas econômicas.
2. Expansão do atacarejo e formatos focados em experiência/conveniência
Nesse contexto econômico, o formato atacarejo deve manter a tração, com companhias nacionais e regionais investindo em expansão e aumentando a concorrência. Em paralelo, novos players continuarão experimentando formatos alternativos para atender novas ocasiões de compra do consumidor brasileiro, como entregas rápidas, entregas programadas, compras sociais e super proximidade. Os hipermercados, por sua vez, buscarão rotas para rentabilizar alavancando sua amplitude de sortimento e a versatilidade na oferta de produtos e serviços.
3. Maior interesse por categorias e produtos que entregam saudabilidade
Enquanto consumidores têm priorizado descontos e alternativas econômicas em diversas categorias de produtos, alguns segmentos seguem em expansão, beneficiados pela evolução dos hábitos de consumo do brasileiro. Produtos com atributos de saudabilidade – como orgânicos, nutritivos e funcionais – continuarão a ganhar relevância e representam oportunidades de aumento de vendas para varejistas alimentares. Mais da metade (56%) dos consumidores estão dispostos a pagar mais por produtos saudáveis e orgânicos. No Brasil, o mercado de alimentos saudáveis e que promovem bem-estar deve crescer a um ritmo de 9% ao ano e chegar a um quinto do total de alimentos embalados em 2030.
4. Proposta de valor distintiva e foco em execução são requisitos para vencer
Somente a boa execução não é mais suficiente em um ambiente de crescente competitividade e pressão nas margens. Vencer no varejo atualmente requer foco em uma proposta de valor diferenciada e distintiva.
Uma alternativa promissora é se especializar na categoria de perecíveis e saudáveis para oferecer uma experiência de loja física diferenciada e expandir a recorrência. Outra proposta vencedora é construir um ecossistema, com produtos e serviços que atendam diversas necessidades do cliente, de forma integrada, para capturar sinergias e fidelizar clientes. Como exemplo, entre os dez varejistas globais que mais acumularam valor de mercado entre 2020 e 2022, grande parte possui uma abordagem de ecossistema que busca fortalecer o vínculo com seus clientes.
5. Digital e data analytics passam a ser capacidades essenciais no varejo
Outro ponto destacado pelo estudo é o uso do digital e de advanced analytics a fim de gerar valor ao longo da cadeia e destravar crescimento no varejo. O desenvolvimento destas capacidades permite melhor entender as necessidades do consumidor e aprimorar sua experiência. Elas também viabilizam ao varejista uma melhor execução de suas atividades principais. Importante ressaltar, no entanto, que o desafio de integrar digital and analytics no varejo vai além da tecnologia e exige uma transformação cultural do varejista; é o equivalente a aprender a andar de bicicleta novamente.
6. Foco no omnicanal e como superar os desafios de rentabilização
Com a retomada da presencialidade, aliada à mudança de hábitos do consumidor, a omnicanalidade é cada vez mais relevante. De acordo com o estudo, 84% dos pesquisados pela McKinsey compram em lojas físicas, 76% online com entrega em casa, seguidos por uma parcela de 27% que compram online com coleta em pick up point e, por fim, 24% que utilizam compra online com coleta na loja.
No entanto, a rentabilização dos segmentos online e omnicanal ainda é um desafio em razão dos baixos preços dos produtos do varejo alimentar, forte concorrência e altos custos logísticos. Em resposta a esse desafio, varejistas incumbentes devem alavancar seus ativos, sejam físicos ou digitais, assim como a expertise no varejo alimentar para buscar rentabilidade sustentável no online e no omnicanal.
Em meio a tantos desafios, muitas variáveis devem continuar impactando o setor. O estudo da McKinsey com a Scanntech, contudo, traz imperativos claros para capturar valor no curto e no longo prazo. Afinal, diversas tendências não são passageiras e vieram para ficar. O momento é de se posicionar para mexer o ponteiro e ficar menos refém de ameaças externas.
Para ler o artigo na íntegra, acesse o link.
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Roberto Tamaso é sócio da McKinsey em São Paulo e líder da prática de varejo para a América Latina.
Bruno Furtado é sócio sênior da McKinsey em São Paulo e líder da prática de B2C para a América Latina.
Os autores agradecem Fernanda Hoefel, Andre Luna, Fernanda Dalbem, Juliana Paolucci, Mariana Guimarães, Priscila Ariani (Scanntech), Rafael Lopes, Raul Polakof (Scanntech) e Tiago Vavassori (Scanntech) pelas suas contribuições neste artigo.