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Alessandro Rosa e Yran Dias
O conceito da “seleção natural” de Charles Darwin remonta aos anos 1800. Porém, nunca foi tão atual, em meio à revolução tecnológica a que assistimos hoje.
Cada vez mais, organizações que não embarcarem nas transformações digitais correm o risco de sucumbir, tornando-se verdadeiras “espécies em extinção.”
De fato, não é preciso ser uma empresa de tecnologia para ser digital. As transformações funcionam para diferentes negócios e contextos, mas exigem uma “reprogramação da empresa.”
No livro Rewired: The McKinsey Guide to Outcompeting in the Age of Digital and AI, os autores revelam os elementos comuns às transformações digitais de sucesso, a partir da experiência com mais de 200 grandes companhias de diversos setores, em todo o mundo.
Sem um plano, o objetivo torna-se apenas desejo
As transformações bem-sucedidas começam com a alta liderança redefinindo seus negócios na era digital. Sem essa visão, é muito difícil garantir energia, foco e investimento financeiro de longo prazo.
Empresas líderes digitais elaboram roteiros de transformação focados em áreas do negócio que são grandes o bastante para gerar valor significativo, mas pequenas o suficiente para sua implementação ser bem gerenciada.
Foi o que fez o grupo dinamarquês LEGO. Ao entender que a transformação digital não poderia ser encarada apenas como mais um projeto a ser executado, cerca de 100 líderes da companhia e todo o time de gerência formularam um plano aspiracional e operacional de transformação para os cinco anos seguintes.
Um dos efeitos mais importantes desse alinhamento foi gerar entusiasmo e convicção de que se transformar numa empresa verdadeiramente digital era possível.
A qualidade da transformação depende dos talentos
O caminho para a excelência digital não pode ser terceirizado. As empresas precisam desenvolver as próprias capacidades para construir suas soluções digitais, e isso requer atrair talentos de qualidade e criar um ambiente que os permita brilhar.
Para o banco asiático DBS, que contava com 80% da equipe de tecnologia terceirizada, construir seu pool de talentos tech envolveu uma ampla campanha de recrutamento, com a promoção de diversos hackathons e a criação de três hubs digitais. Hoje, são 10.000 profissionais de tecnologia no time interno do banco – um terço do total da força de trabalho.
Agilidade é fator-chave
A maioria das empresas consegue formar algumas dezenas de equipes ágeis e multifuncionais. Mas ampliar a escala para que centenas – ou mesmo milhares – de equipes trabalhem dessa maneira, é um desafio colossal.
Implementar um modelo de trabalho veloz e centrado no cliente é talvez o aspecto mais complexo de uma transformação digital, porque afeta o núcleo da organização e a forma como as pessoas trabalham.
Para assegurar um modelo de trabalho veloz e eficiente, a mineradora americana Freeport-McMoRan capacitou suas equipes em metodologias ágeis, desenvolvendo conhecimento em capacidades básicas, desde a estruturação de backlogs até a construção de MVPs – produtos minimamente viáveis.
Rapidamente, os times aprenderam a trabalhar em sprints com tempo curto de entregas de valor. Com isso, a Freeport eliminou a mentalidade de longos desenvolvimentos e ganhou agilidade para lançar soluções tão logo estivessem boas o suficiente para serem testadas. Para assegurar a centralidade no cliente, metalúrgicos e operadores de planta passaram a integrar os times de desenvolvimento.
Modernizar para se mover rápido
Para serem tecnologicamente produtivas, as organizações precisam criar um ambiente que permita que centenas ou milhares de equipes possam constantemente desenvolver, lançar e aperfeiçoar inovações. Isso exige um ambiente tecnológico moderno com acesso rápido a ferramentas, dados e aplicativos, favorecendo escalabilidade e flexibilidade.
Na LEGO, criar um ambiente mais flexível, rápido e de fácil acesso incluiu esforços para zerar dívidas técnicas, automatizar infraestruturas operacionais e migrar até 80% do workload para a nuvem.
Além disso, foram incorporadas práticas avançadas de engenharia de software para garantir a segurança do processo de desenvolvimento desde o início e melhorar a qualidade dos códigos.
Dados ao alcance dos dedos
Há duas premissas fundamentais neste quesito: os dados gerados devem ser de alta qualidade e precisam estar acessíveis às equipes. Caso contrário, uma cultura de tomada de decisão baseada em dados não se sustenta.
O banco DBS lançou um conjunto abrangente de iniciativas de dados, incluindo a modernização da governança, a introdução de uma nova plataforma de gestão e esforços para mudanças culturais em direção a uma cultura data-driven.
Isso permitiu que o DBS adotasse ferramentas de inteligência artificial em domínios tão diferentes como marketing e recursos humanos. Estima-se que iniciativas baseadas em IA tenham gerado US$ 150 milhões em receitas adicionais e outros US$ 25 milhões em prevenção de perda de talentos e aumento da produtividade.
Sem perder a adoção e a escala de vista
Assegurar a adoção e garantir que as soluções digitais e analíticas possam ganhar escala não são desafios para serem pensados depois – eles devem ser parte da concepção inicial de cada inovação. É aqui que 72% das empresas tropeçam e param.
Para fugir dessa estatística, é preciso enfrentar os desafios da gestão da mudança, com foco na criação de ferramentas e capacidades que sejam fáceis de serem reutilizadas.
Nossa experiência tem mostrado que, para cada dólar investido no desenvolvimento de uma nova solução tecnológica, deve-se investir outro dólar na gestão de mudança a fim de garantir escala.
O grupo LEGO, por exemplo, instituiu a política de que toda e qualquer nova solução tecnológica deve ser concebida e estruturada para uso global, desde o início.
Uma transformação digital, em última análise, um exercício de constante evolução e melhoria, que exige reflexões vigilantes sobre captura de valor, velocidade, evolução e cultura.
Exemplos como os da LEGO, DBS, Freeport e diversas outras empresas, esmiuçados em Rewired, mostram que o caminho não é trivial, mas completamente factível.
Os esforços necessários são consideráveis, mas os resultados, também – e podem garantir a perpetuação da empresa.
Alessandro Rosa é sócio sênior e líder de Build by McKinsey na América Latina.
Yran Dias é sócio sênior e líder da McKinsey Digital na América Latina.