Fernanda Mayol e Mauricio Rebelo

No Brasil, a economia é marcada pela força das empresas familiares — dos pequenos negócios aos grandes grupos. Nove em cada dez CNPJs ativos no país têm origem familiar. Responsáveis por empregar 75% da força de trabalho e gerar dois terços do PIB nacional, essas organizações são únicas na medida em que refletem a história, os valores e a dinâmica de seus fundadores. Mas elas também têm muito em comum, especialmente quanto aos desafios enfrentados.

Um estudo global da McKinsey com 270 empresas familiares (ou family-owned businesses, FOBs) identificou os segredos das organizações com desempenho superior, destacando dimensões como diversificação de portfólio, governança sólida, foco em talento e visão de longo prazo. O recorte nacional dessa pesquisa analisou 65 empresas familiares brasileiras com receitas até US$ 500 milhões e mostra que, com a intensificação de esforços nessas dimensões, elas estarão diante de uma grande oportunidade de impulsionar o crescimento, assegurando a prosperidade e longevidade do negócio.

Diversificar para crescer

As empresas familiares de excelência adotam uma estratégia de alocação de capital ágil, realocando recursos entre negócios e regiões com uma frequência três vezes maior do que as demais. Nesse contexto, a construção de novos negócios tem um papel determinante nos resultados financeiros – e os M&As são o caminho mais escolhido para isso. Globalmente, oito em cada dez empresas familiares realizam, no mínimo, duas transações desse tipo por ano. Por aqui, pouco mais de três em cada dez conseguem manter esse ritmo de incorporação de novos negócios.

Outro critério indicativo de diversificação é ter uma parcela da receita superior a 30% proveniente de negócios não principais ou em outras regiões. Nesse quesito, a distância entre as empresas familiares brasileiras e globais é maior: 15% versus 63%. Diminuir essa lacuna pode colocar as nossas FOBs em uma rota de crescimento mais sustentável e resiliente.

Atrair talentos exige talento

Organizações que se dedicam tanto a maximizar o desempenho financeiro quanto a desenvolver pessoas têm 40% mais probabilidade de alcançar resultados financeiros melhores. Os resultados da pesquisa global mostram, no entanto, que mesmo as empresas familiares de altíssimo desempenho encontram dificuldades de avançar na atração e retenção de talentos.

Quando analisamos a situação das empresas familiares no Brasil, o espaço de evolução nesse quesito é ainda mais expressivo. Apenas 3% das organizações pesquisadas acreditam atrair os melhores talentos e somente 5% concordam que têm capacidade de identificar e treinar os profissionais que apresentam desempenho superior.

Experiência externa, de fato, ajuda

A presença da família fundadora pode oferecer vantagens como visão de longo prazo, identidade forte e dedicação ao negócio. Com o crescimento, porém, é essencial equilibrar a gestão familiar com perspectivas externas. Um Conselho independente, ativo nas decisões estratégicas e com competências complementares é decisivo para garantir crescimento sustentável e duradouro.

Nessa seara, as FOBs brasileiras têm uma grande oportunidade: por aqui, apenas 34% dos respondentes afirmam que seus Conselhos são independentes e eficazes, versus 74% nas FOBs globais. Ter processos, estruturas e direitos de decisão claros e transparentes favorece a autonomia dos membros do Conselho, aumentando sua eficácia, contribuindo para a construção de credibilidade do negócio e garantindo a estabilidade em momentos de transição de liderança.

Profissionalizar para ir além

Nas próximas décadas, o Brasil vai passar por uma das maiores transferências de riqueza entre gerações do mundo, com quase US$ 9 trilhões em jogo, segundo dados do Global Wealth Report. Nesse contexto, a relativa juventude de muitas empresas familiares brasileiras – com mais da metade delas tendo menos de meio século de vida – destaca a necessidade urgente de preparar a próxima geração de líderes para garantir a continuidade e o sucesso desses negócios.

A tímida presença de programas formais de sucessão exige reflexão. Hoje, apenas 11% das empresas brasileiras analisadas investem em iniciativas estruturadas de sucessão; o percentual global é de 64%. Fechar essa lacuna pode aumentar significativamente a probabilidade de que as empresas familiares brasileiras ultrapassem a terceira geração, indo muito além dos atuais 15%.

Conforme crescem, as FOBs precisam tratar com maior transparência e objetividade os papéis e as responsabilidades de cada membro da família envolvido no negócio. Além disso, é essencial ter um espaço seguro para que se discutam questões da família e da organização regularmente a fim de evitar que tópicos de uma esfera transbordem para a outra.

Receita de família para construir o futuro

Quase a totalidade das empresas familiares de excelência afirma ter um propósito claro para além da criação de valor para os acionistas. Isso se traduz nas decisões financeiras da organização e no seu envolvimento com a comunidade: FOBs longevas investem em seus ideais e têm uma visão de longo prazo dos efeitos das suas ações.

Considerando o seu protagonismo na atividade econômica do país, quando essas organizações progridem, elas impulsionam os empregos e fortalecem as comunidades.

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A pesquisa “Desbloqueando o potencial das empresas familiares no Brasil” contou com a parceria do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

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Fernanda Mayol é sócia da McKinsey no Rio de Janeira e líder da prática de Pessoas, Organização e Performance na América Latina.

Mauricio Rebelo é sócio da McKinsey em São Paulo e líder da prática de Transformação no Brasil.

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