Elias Goraieb e Bruno Batista 

A Resolução 4.966 põe em curso uma verdadeira revolução nos modelos de negócio dos bancos ao estabelecer que o cálculo de provisões deve considerar as perdas esperadas, não mais as incorridas. Os desdobramentos vão muito além do aspecto contábil, impactando estratégia de portfólio, originação de crédito, cobrança e gestão de pessoas.

A experiência europeia na adoção de uma regulamentação semelhante, a IFRS 9, mostrou um aumento médio de 30% nas provisões, com algumas carteiras exigindo proteção ainda mais robusta. O impacto no resultado líquido das instituições, porém, não é uma sentença. As instituições que tiverem a coragem de abordar o desafio de forma mais ampla poderão não só se preparar melhor, como sair na outra ponta mais saudáveis e resilientes, fortalecendo o setor como um todo.

Em busca de mais resiliência: gestão de portfólio

Com a mudança na lógica de provisionamento, os empréstimos passam a ser avaliados ao longo de todo o seu ciclo de vida até a quitação, e isso pode fazer alguns segmentos perderem a atratividade. Nesse contexto, uma primeira ação imperativa é revisar o portfólio para reduzir a exposição a clientes com menor resiliência e, assim, controlar perdas, volatilidade e custo de crédito.

A priorização de créditos com colateral (com garantia) ganha relevância. Além de possuir índices de inadimplência mais baixos, esse tipo de produto reduz a assimetria de risco entre credor e devedor: em caso de inadimplência, a instituição pode executar a garantia e recuperar parte do valor emprestado, o que contribui para a menor volatilidade nas provisões. O financiamento de veículos é um dos casos mais conhecidos dessa modalidade e pode servir como inspiração para outras linhas de crédito lastreado.

Outro elemento importante trazido pela 4.966 é o prazo dos contratos. Priorizar prazos mais curtos é uma estratégia eficaz para manter as provisões em patamares menos onerosos, uma vez que, quanto mais longo o prazo, maior a exposição – e a provisão necessária.

Protegendo o volume: produtos e precificação inovadores

Aliviar a pressão sobre o provisionamento exige inovação – e isso começa na própria oferta de crédito.

Na concessão, políticas mais flexíveis permitem atender de forma granular e customizada às necessidades dos clientes. Essa flexibilidade deve se estender ao pagamento para incentivar a pontualidade e reduzir a inadimplência. Quitação antecipada, amortização do principal ou planos com parcelas mais frequentes, por exemplo, fortalecem a gestão preventiva e ajudam a evitar a migração dos ativos para estágios mais avançados de deterioração.

A precificação, por sua vez, deve ser dinâmica ao longo de toda a jornada: desde a definição de taxas na concessão até renegociações preventivas. Para isso, é essencial contar com bases de dados robustas que possibilitem ofertas customizadas e com gatilhos contratuais que ajustem automaticamente o preço quando certos indicadores de risco pré-definidos forem ultrapassados.

Eficácia da recuperação: a nova cobrança

Com o novo modelo de provisionamento, a gestão preventiva de atrasos torna-se ainda mais crucial. Modelos de alerta precoce com alto poder preditivo permitem identificar mudanças no risco do cliente e agir antes da inadimplência, oferecendo alternativas como migração do rotativo para o parcelado ou renegociação de taxas e prazos. Evitar que o atraso ocorra reduz significativamente a necessidade de provisões, mas as medidas de renegociação devem ser aplicadas com precisão para não comprometer a saúde da carteira de crédito.

Se ainda assim houver inadimplência, a recuperação precisa ser certeira. Como os contratos precisam cumprir um período de cura antes de terem seu estágio reduzido, eles devem passar por um processo de priorização: para o banco, não basta apenas receber, é preciso receber do cliente certo no momento certo, evitando alongamentos desnecessários e provisões adicionais.

Outro ponto estratégico é decidir entre manter créditos deteriorados ou cedê-los a empresas de recuperação e fundos especializados. Com provisões elevadas nos estágios 2 e 3, modelos analíticos são cruciais para indicar o momento ideal da cessão, equilibrando custo, potencial de reversão e retorno esperado.

Habilitando o novo provisionamento 

Níveis mais robustos de provisão fortalecem não apenas a saúde financeira dos bancos, mas também a resiliência do sistema como um todo. Para isso, é preciso alinhar prioridades a capacidades habilitadoras em três dimensões principais.

Dados e Analítica Avançada. Dados granulares são essenciais para alimentar simulações e modelos prospectivos, habilitando o uso de IA e técnicas avançadas para identificar sinais precoces de deterioração. Isso exige evoluir a arquitetura tecnológica para processar informações de risco com eficiência.

Gestão e pessoas. A força comercial deve ser treinada para atuar de forma proativa e focada em segmentos com melhor perfil de risco. Além disso, a coordenação entre unidades de negócio garante compartilhamento de informações e decisões integradas.

Clientes. A educação financeira é um trunfo. Mais conscientes, os consumidores exercem autonomia sobre suas escolhas, reduzem a probabilidade de inadimplência e contribuem para um ambiente de risco mais controlado – e, portanto, de menor exigência de provisões.

A conformidade regulatória é só a ponta do iceberg. Não apenas para garantir a aderência ao novo marco regulatório, mas também para originar créditos com maior qualidade, melhorar resultados financeiros e reduzir a inadimplência, os bancos precisam ir além do óbvio e trabalhar nas diversas dimensões do negócio que impactam a necessidade de provisionamento de suas carteiras de crédito.

O caminho exige um plano ambicioso e uma transformação profunda no modelo de negócios. Fácil não será, mas lidar com o desafio de forma holística compensará o esforço.

 

Elias Goraieb é sócio sênior da McKinsey em São Paulo e líder das práticas de Risco Estratégico e Advanced Analytics & Data na América Latina.

Bruno Batista é sócio da McKinsey em São Paulo e líder de Crédito na América Latina.

Colaborou Manoela Rocha, gerente de projetos da McKinsey em São Paulo.

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