Nelson Ferreira e Mikael Djanian

Quebra de safra, queda no preço das commodities, intensificação de secas, chuvas e queimadas. Desde 2023, o cenário é desafiador para o campo brasileiro e, naturalmente, o agricultor está preocupado.

O resultado é uma maior cautela: dois terços dos produtores esperam que os lucros permaneçam estáveis ou diminuam este ano. E se, antes, a alta no preço dos insumos era o que mais tirava o sono nas lavouras, agora os eventos climáticos extremos são vistos como a maior ameaça.

Para enfrentar as turbulências e vislumbrar dias melhores à frente, a aposta é, sobretudo, no que está da porteira para dentro – o aumento da produtividade. Hoje, 60% enxergam esta variável como o principal motor para um futuro mais lucrativo, e duas alavancas ganham destaque.

A primeira é a intensificação de práticas agrícolas sustentáveis, com o aumento do uso de produtos de base biológica e técnicas regenerativas. A segunda é uma maior adesão às tecnologias e inovações que melhoram a gestão do campo.

Essas são as principais conclusões da quarta edição brasileira – e segunda global – da pesquisa Global Farmer Insights, que buscou capturar percepções e práticas dos agricultores. Ao todo, foram ouvidos 4.250 produtores, sendo 750 deles aqui no Brasil.

Os dados foram coletados entre março e abril deste ano, antes das enchentes do primeiro semestre no Rio Grande do Sul e também antes da seca histórica e das queimadas do Centro-Sul, que ocorreram no segundo semestre.

Assista aqui ao novo episódio do McKinsey Talks, com Caio Carvalho, presidente da ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio), e Nelson Ferreira, sócio sênior da McKinsey e um dos responsáveis pelo estudo.

Bom para o planeta, bom para o bolso

O Brasil se mantém na vanguarda mundial da sustentabilidade no campo. Na busca por maior eficiência dos insumos agrícolas, o número de produtores que afirma utilizar bioestimulantes, biofertilizantes e biocontroles já ultrapassa a casa dos 60%, mais que o dobro da Europa e dos Estados Unidos.

Segundo os agricultores pesquisados, mais da metade das suas terras cultivadas já se beneficiam do uso desses produtos no país. Sete em cada dez dizem que pretendem manter ou aumentar seus gastos com biológicos, independentemente da variação no preço dos insumos tradicionais.

Já na agricultura regenerativa, que inclui técnicas de plantio direto, plantação de cobertura e rotação de culturas, o Brasil supera em 24 pontos percentuais a média global.

Para além da consciência crescente quanto à necessidade de preservação do meio ambiente e redução das emissões, os produtores têm percebido que tais práticas diminuem o custo da produção, aumentam a produtividade e podem até elevar o preço do produto final.

Desafios da captura

Além de melhorar a biodinâmica da terra e o ciclo hídrico, a agricultura regenerativa aumenta a capacidade do solo e das plantas de manter o carbono capturado, mas a monetização dos créditos de carbono segue tímida. Na edição deste ano da pesquisa, os produtores mostraram-se menos interessados nesse assunto.

Um obstáculo está na adicionalidade. Como a agricultura brasileira historicamente adota práticas consideradas sustentáveis, é difícil comprovar que determinada intervenção gera captura adicional de carbono em relação ao que era feito antes.

Outra dificuldade é comprovar a permanência, ou seja, assegurar que a captura não será temporária, devolvendo o carbono para a atmosfera no curto prazo.

O agro está mais tech

A adoção tecnológica na agricultura brasileira cresceu mais de 10 pontos nos últimos dois anos, um resultado que confirma o Brasil na segunda colocação entre os países pesquisados.

Embora seja um crescimento expressivo, a distância em relação aos Estados Unidos, que ocupam o primeiro lugar, ainda é grande, o que indica o enorme potencial de expandir essa fronteira nos próximos anos.

As diferenças entre os dois países não se limitam ao grau de adoção, mas referem-se também à natureza dos casos de uso. Enquanto os agricultores brasileiros utilizam mais intensamente soluções voltadas ao manejo – gestão de doenças e controle de pragas, aplicação de fertilizantes –, os produtores americanos dão mais foco à otimização das operações, relatando com mais frequência a aplicação de tecnologias de monitoramento da produtividade, otimização da colheita e veículos autônomos.

Apesar de os custos de implementação e manutenção ainda aparecerem como principal desafio para os agricultores brasileiros, um número expressivamente menor de entrevistados aponta o valor do investimento como entrave.

Uma possível explicação é que a produtividade natural da agricultura brasileira – que chega a render duas, às vezes, três colheitas por ano – amortiza o capital investido inicialmente ao longo das safras.

Omnicanalidade e o reinado do ‘zap’

O retrato do uso de canais digitais mostra que, depois do boom durante a pandemia, os níveis de digitalização da jornada de compra estacionaram em torno dos 40%. O WhatsApp segue sendo a ferramenta mais popular para transações de compra no Brasil, enquanto o uso de plataformas de e-commerce ainda é incipiente.

Melhorar a experiência do usuário poderia contribuir para um uso mais intensivo dos canais digitais – a maior queixa dos agricultores é em relação à falta de confiança no processo de compra e à falta de assessoria personalizada.

A novidade no front digital é a maior adesão aos meios de pagamento digitais, que dobrou nos últimos dois anos, chegando a 54%, bem à frente da média global. A maturidade tecnológica parece ser uma variável importante.

Quem usa pelo menos uma solução agtech apresenta maior disposição para aderir aos meios de pagamento digitais, que são também mais populares entre os produtores mais jovens.

Em busca de financiamento e segurança

Embora siga predominante, o financiamento via capital próprio está menor do que há dois anos, quando o agricultor estava mais capitalizado. E a dinâmica é a de uma gangorra: se o pagamento com recursos próprios diminuiu, a utilização de fundos de terceiros aumentou, principalmente o crédito nos canais de distribuição e via fornecedores.

Porém, a capacidade dessas fontes de prover recursos é limitada, assim como sua capacidade de absorver perdas. Em safras desafiadoras, o estresse financeiro acaba gerando um efeito cascata de inadimplência, que começa nos elos mais frágeis da cadeia.

Cresceu também o interesse dos agricultores pelo uso de seguros, com os produtores de algodão e grãos entre os que mais contratam este tipo de serviço. Duas possíveis explicações para essa tendência são a preocupação com os eventos climáticos extremos e a apreensão com a volatilidade dos preços dos insumos.

O amanhã, hoje

Numa frase célebre, o economista e vencedor do Nobel Paul Krugman diz que “a produtividade não é tudo, mas, no longo prazo, é quase tudo”. Para o produtor brasileiro, o longo prazo é agora.

Diante de tantas adversidades, ele sabe que, da porteira para dentro, as práticas sustentáveis e as tecnologias inovadoras são suas maiores aliadas na empreitada de aumentar a produtividade. Da porteira para fora, ele busca diversificar suas fontes de financiamento e proteção.

Nos dois lados da cerca, ele se mostra disposto a fazer o que está ao seu alcance.

 

Assista aqui ao novo episódio do McKinsey Talks, com Caio Carvalho, presidente da ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio), e Nelson Ferreira, sócio sênior da McKinsey e um dos responsáveis pelo estudo.

Nelson Ferreira é sócio sênior da McKinsey em São Paulo e líder global da prática de Agronegócio.

Mikael Djanian é sócio da McKinsey em São Paulo.

Colaborou Ana Luiza Mokodsi, gerente de projetos

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