2026 começa com pelo menos dois sinais de esperança para o consumo brasileiro: além de um calendário com mais feriados e Copa do Mundo, entramos o ano com uma situação macroeconômica relativamente saudável – inflação caindo, desemprego baixo e renda crescendo. No entanto, os desafios enfrentados em 2025 sugerem que há mudanças estruturais acontecendo com os hábitos do consumidor. 

Mesmo com mais renda, o brasileiro está comprando menos: entre janeiro e outubro de 2025, o volume de unidades vendidas caiu 1,8% em relação ao mesmo período de 2024, segundo dados da Scanntech.

Quando investigamos o que passou pela cabeça do consumidor, vimos que ele está mais criterioso: compara preços, revisita escolhas, busca valor real. A ida às compras ficou mais intencional e menos previsível.

Esse é um dos insights obtidos cruzando a pesquisa ConsumerWise, da McKinsey, que ouviu consumidores em todo o país, e a análise de mais de 13,5 bilhões de tíquetes do varejo alimentar feita pela Scanntech. Esses dados combinados revelam cinco tendências de 2025 com alta probabilidade de se manterem em 2026.

Saúde e bem-estar em primeiro lugar

Suplementos que melhoram o desempenho físico já foram produtos de nicho, mas saíram do universo das academias para ganhar protagonismo nas gôndolas dos supermercados. A creatina cresceu 89% em volume e o whey protein, ícone da nutrição funcional, avançou 124%. Aproveitando o movimento de reforço de proteína na dieta, o iogurte proteico entrou para a rotina alimentar de quem busca conveniência sem renunciar ao valor nutricional, com crescimento de 16% em volume no último ano.

Fora do universo funcional, os consumidores mostram uma atitude mais consciente no consumo de bebidas. As cervejas de baixa caloria cresceram 40%, enquanto as versões sem álcool e os refrigerantes zero consolidam o desejo de continuar socializando, mas com maior controle sobre a ingestão de calorias.

Tendência: o consumidor dá sinais claros de que busca uma vida mais saudável. Ele se mostra receptivo a produtos que o ajudem a manter a energia, o foco e o equilíbrio no dia a dia, incluindo os momentos de socialização e lazer. A queda de patente dos medicamentos GLP-1 (que também ajudam no emagrecimento) a partir de 2026 pode acelerar sua penetração e reforçar a demanda por produtos menos calóricos e mais funcionais.

Autocuidado e beleza em expansão

A rotina de autocuidado e beleza chegou de vez ao varejo alimentar. Categorias básicas e tradicionais nesse canal vêm perdendo relevância. Xampu líquido e sabonete em barra, por exemplo, tiveram retração de 10% e 7% em volume. Produtos de cuidado complementar, por sua vez, ganham espaço: óleos capilares e finalizadores tiveram alta de 18% e 13%, respectivamente. O mesmo vem acontecendo com maquiagem: bronzers e produtos de contorno avançaram 134%, e blush teve um crescimento de 58%.

Tendência: à medida que as rotinas de autocuidado se consolidam e ficam mais completas e os consumidores buscam resolver suas demandas em um só lugar, a expectativa é de ampliação da cesta de beleza nos supermercados e atacarejos, evidenciando ainda mais a fluidez das fronteiras entre autosserviço, farmácias e perfumarias.

Economia de um lado, indulgência de outro

O brasileiro ajustou seus gastos para esticar o orçamento, economizando em categorias básicas e migrando para versões mais acessíveis dentro de segmentos de maior valor agregado. Em amaciantes concentrados (opção premium em relação aos regulares), os itens econômicos ganharam 2,9 p.p. de participação. Movimento semelhante ocorreu em sabão líquido, com avanço de 1,9 p.p. do segmento econômico. Essa economia abriu espaço para indulgências pontuais: cervejas e chocolates em barra do segmento premium avançaram 2,3 e 1,6 p.p., mesmo com queda no volume total. 

Tendência: mais de três em cada dez consumidores pretendem “se presentear” no supermercado no próximo ano, um sinal de que a indulgência seguirá viva. Assim, o consumidor continuará fazendo o trade down em itens de menor valor percebido, desde que isso permita investir em “mimos” eventuais, como um vinho melhor no fim de semana.

Gigantes, sim; adaptáveis, também

Depois de anos de expansão acelerada, o atacarejo registrou queda de 2,7% em unidades vendidas em mesmas lojas, o que vem estimulando as redes a desenvolver categorias que até recentemente tinham menor relevância no canal. Essa estratégia é observada em dois perfis distintos de categorias.

De um lado, categorias historicamente pouco desenvolvidas devido à maior complexidade operacional – como frutas, legumes e peixaria – passam a ganhar espaço, com crescimento em torno de 10%. Esses segmentos reforçam o papel do atacarejo nas compras de reposição e no consumo do dia a dia das famílias.

De outro, à medida que o canal ganha relevância na rotina doméstica, o perfil do consumidor também evolui: além de preço baixo, cresce a demanda por conveniência e variedade. Categorias antes pouco associadas ao formato, como suplementos esportivos (+141%) e protetor solar (+32%), vêm crescendo impulsionadas pela ampliação do público atendido e pela maior busca por diferenciação.

Tendência: sem abandonar o foco em eficiência operacional, o atacarejo deve passar por uma revisão profunda do seu modelo de negócio. Empresas que operam esse formato devem continuar buscando categorias e missões de compra incrementais e se tornar um destino mais frequente no cotidiano dos consumidores.  

Integração “figital”

O digital se consolidou como vitrine que molda preços e percepção de valor. Atualmente, mais da metade dos brasileiros já pesquisa preços online antes de ir à loja, mesmo em categorias de baixo tíquete. Mas o digital começa a ir além da pesquisa, e as vendas também crescem. No varejo alimentar, o e-commerce tem crescimento quase quatro vezes maior do que o do canal físico. 

Esse avanço, porém, não acontece no mesmo ritmo em todas as categorias. Itens de maior valor agregado estão mais presentes nas cestas dos consumidores. Em perfumaria, fraldas infantis e papel higiênico se destacam; entre as bebidas, whisky, licor e gin. Já itens de compra recorrente – como sabão, amaciante e detergente líquido – ganham tração no online, impulsionados pela conveniência e pela previsibilidade de reposição.

Tendência: o desafio agora é tornar essa jornada “figital” (física + digital) mais fluida e eficiente. Isso significa alinhar sortimento, precificação e comunicação entre canais, garantindo consistência da experiência de compra. O digital molda a percepção de valor; o físico ainda é essencial para conveniência, frescor e descoberta. Quem conseguir orquestrar essa complementaridade terá vantagem competitiva. 

Desafio duplo

Em 2026, o setor deve operar em um cenário mais favorável, impulsionado tanto pelo calendário quanto pela expectativa de um ano de mercado mais aquecido. Nesse contexto, um primeiro desafio será retomar o crescimento em unidades sem perder de vista o novo perfil do consumidor, que está mais conectado, consciente e seletivo. As redes de varejo precisarão ainda responder à dissolução das fronteiras entre canais e formatos, o que exigirá maior capacidade de integração e leitura de comportamento, além de execução rápida. 

Essa necessidade de adaptação mostra que o varejo de alimentos está entrando em um ciclo de maturidade. Vai liderar a próxima fase de crescimento quem conseguir entender o que realmente move o consumidor e for capaz de transformar dados, operações, marcas e propósito em valor.

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Bruno Furtado é sócio sênior da McKinsey em São Paulo e líder da prática de Consumo na América Latina.

Pedro Fernandes é sócio da McKinsey em São Paulo e atua nos setores de consumo e varejo.

Priscila Ariani é diretora de marketing da Scanntech Brasil.

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