Ricardo Mussa e Nelson Ferreira

Para um país com os recursos naturais do Brasil, mirar alto é possível – e agir logo é imperativo. Ao nos posicionarmos como uma usina verde para o mundo, aumentando a eficiência energética na indústria e avançando com a descarbonização dos setores com mais emissões, podemos capturar crescimento adicional do PIB que ultrapassa os US$100 bilhões até 2040. Nessa jornada, temos a possibilidade de zerar nossas emissões e ajudar a descarbonizar o mundo na busca por um crescimento inclusivo para um futuro sustentável.

O B20, fórum que conecta a comunidade empresarial aos países com as maiores economias do mundo, acaba de entregar ao G20 as recomendações da força-tarefa de Transição Energética & Clima, da qual a McKinsey é Knowledge Partner. As discussões destacaram o papel crucial do setor privado nos esforços globais para combater as mudanças climáticas. Como anfitrião do B20 este ano e da COP30 em 2025, o Brasil deve aproveitar os holofotes para mostrar a sua capacidade de pautar conversas sobre os assuntos mais importantes do nosso tempo.

Usina verde movida a sol e vento

Com a urgência de as economias globais confluírem para um caminho de baixas emissões, veremos crescer a demanda por energia renovável e produtos com baixa pegada de carbono.

Nossa matriz elétrica, uma das mais limpas e integradas do mundo, deve ficar cada vez mais sustentável e barata à medida que as energias eólica e solar se tornem suas fontes primárias. O potencial é que, juntas, elas cheguem a quase metade da capacidade instalada, ante 15% hoje. Em cifras, trata-se de um mercado adicional de US$ 11 bilhões nas próximas décadas. Continuar investindo em nossa já integrada e robusta infraestrutura de transmissão será crucial para manter essa competitividade.

Powershoring: hidrogênio verde para exportação

Expandir e aprimorar nossa matriz elétrica será determinante também para viabilizar a criação da cadeia de produção de hidrogênio verde, grande promessa para setores de difícil descarbonização, como transporte e indústria. O mercado desse combustível pode chegar a US$ 20 bilhões.

Apesar de sua importância, o hidrogênio verde é uma molécula com baixa densidade energética e alto custo de transporte. Assim, é provável que se desenvolvam mercados globais para os seus principais derivados, que incluem amônia, e-methanol e HBI (Hot Briquetted Iron, utilizando hidrogênio verde em vez de gás natural como redutor). A recém-sancionada Lei do Hidrogênio de Baixo Carbono deve acelerar o desenvolvimento de hubs integrados de produção no país, tanto para exportação quanto para a substituição de importações de produtos nitrogenados voltados para a agricultura e indústria.

Biocombustíveis: o que já é bom…

A combinação de clima quente, solo rico e muitos recursos hídricos acelera o crescimento biogênico no Brasil, possibilitando até três safras por ano – o que significa um suprimento expressivo de biomassa para geração de biocombustíveis sustentáveis. A oportunidade é de um mercado de US$60 bilhões até 2040, incluindo a produção de biometano, biocarbono, etanol e Combustível Sustentável de Aviação (SAF) e de navegação (biobunker).

O Brasil já usa biomassa com sucesso há mais de 50 anos, caso da produção de etanol comum a partir da cana-de-açúcar. Avanços tecnológicos recentes criaram avenidas, como a produção em escala industrial de Etanol de Segunda Geração (E2G). Esse combustível tem pegada de carbono 30% menor do que o etanol comum, não compete com a produção de alimentos e extrai ainda mais valor da cana ao utilizar o bagaço para gerar 50% mais output de produto, sem expandir um hectare sequer de área plantada.

…pode ficar ainda melhor

A indústria de SAF abre um novo horizonte. O Brasil tem capacidade de produzir muito mais do que o necessário para o consumo interno – que teve demanda regulamentada pela recém-sancionada Lei do Combustível do Futuro –, podendo destinar 25 milhões de toneladas para exportação. Isso seria suficiente para atender a quase metade da demanda mundial, estimada em 55 milhões de toneladas até 2035. Para realizar esse potencial, serão necessários investimentos para viabilizar usinas e a entrada do país nesse mercado.

A produção de SAF pode estimular a restauração em larga escala de pastagens degradadas por meio de culturas bioenergéticas, como de cana e macaúba – um tipo de palmeira natural do cerrado que pode representar porção significativa da produção brasileira desse biocombustível. Além disso, se sistemas de captura e armazenamento de carbono forem incorporados a essas culturas, estaremos diante de um mercado com pegada negativa de carbono.

Uma indústria mais energeticamente eficiente é possível?

Na indústria, ganhos de eficiência energética são considerados mais difíceis. Mas há pelo menos duas importantes alavancas para reduzir a quantidade de energia necessária para produzir uma unidade de serviço ou produto final. Uma delas é a substituição de fontes com alta emissão, como o óleo combustível. Biomassa e biometano são opções promissoras e em franco crescimento.

No setor sucroalcooleiro, por exemplo, ao usar energia eólica e solar para a produção de etanol, posicionaríamos o Brasil como um ecossistema que utiliza internamente energia competitiva e destina o excedente, que não pode ser armazenado, para o comércio internacional.

Há, ainda, em questão o aumento da circularidade. Aqui, a reciclagem desempenha um papel primordial, pois permite que os recursos circulem por mais tempo na cadeia de produção. Hoje, o Brasil recicla dois terços do papel e quase a totalidade das latas de alumínio descartadas, mas apenas 4% do lixo sólido urbano, bem menos do que outros países em desenvolvimento. Programas de incentivo à circularidade e à renovação de equipamentos por similares de baixa emissão serão fundamentais para destravar a eficiência energética da indústria.

Celeiro de soluções climáticas naturais

Tornar-se um agente de descarbonização da economia global passa, necessariamente, por ativar as soluções climáticas naturais – ações de conservação, restauração e manejo aprimorado do uso da terra projetadas para maximizar a captura e o armazenamento de carbono e minimizar as emissões. Ao lado da Indonésia, o Brasil detém hoje a maior reserva dessas soluções no mundo, cerca de 15% do total global.

As soluções naturais são vitais para descarbonizar as atividades mais poluentes do país: aquelas relacionadas à mudança no uso do solo e à agropecuária, hoje responsáveis por três quartos das emissões nacionais. Em termos econômicos, descarbonizar esses setores é mais eficiente: o abatimento de uma tonelada de CO2 equivalente custa menos de US$20. Na pecuária, o custo é até negativo: para cada R$1 investido, o ganho esperado é de mais de R$2 em produtividade por meio da redução do ciclo de engorda, melhoria da qualidade da carne e redução de custos veterinários.

As soluções climáticas naturais também nos habilitariam a gerar cerca de 2 GtCO2eq/ano em certificados de sequestro de dióxido de carbono (CDRs). Nossos cenários mostram que o Brasil precisará de apenas 0,3 GTCO2eq/ano para cumprir sua contribuição nacionalmente determinada (NDC), permitindo a exportação de 1,7 GtCO2eq/ano para apoiar o sequestro das emissões marginais de outras geografias.

Navegar é preciso

O Brasil tem um ponto de partida privilegiado para liderar a transição energética: a matriz mais limpa e integrada do mundo, condições favoráveis de clima e solo e viabilidade para diversas culturas que serão importantes para a transição – como a cana e a macaúba. E não há tempo a perder: os recentes eventos climáticos extremos no Brasil – enchentes no Rio Grande de Sul, queimadas no Cerrado e no Sudeste – nos mostram que os custos humano e financeiro de não agir são gigantescos.

Enfrentar as mudanças do clima e levar o mundo ao net zero provavelmente exigirá a mais extensa realocação de capital na história. Os líderes da nova economia sustentável não serão aqueles que ancoram em portos seguros, mas os que traçam cursos ousados, navegando pelos desafios com confiança enquanto aproveitam as oportunidades da economia verde global. Presidir eventos da importância do G20/B20 e da COP dá ao país a chance de não só apresentar seu repertório de soluções sustentáveis como também provar sua capacidade de viajar à velocidade máxima.

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A McKinsey é Main Partner do B20 Brasil 2024 e Knowledge Partner da força-tarefa Transição Energética & Clima e do action council Mulheres, Diversidade & Inclusão nos Negócios.

Ricardo Mussa é Chair da força-tarefa de Transição Energética & Clima do B20.

Nelson Ferreira é sócio sênior da McKinsey em São Paulo e líder global da prática de Agronegócio.

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