O Etna recentemente esteve no holofote jornalístico por mais uma forte erupção que encheu de cinzas vulcânicas as ruas da cidade de Catania (vizinha a sul do Etna) e chegou a fechar seu aeroporto, um dos principais da Sicília.
Entretanto há outro fenômeno, tão intenso quanto e mais duradouro, que igualmente nasce no Etna: o vinho.
Como em muitas atividades artísticas, a contradição desperta maior atenção que a coerência, e nos vinhos do Etna esta é a realidade. O arquétipo de uma ilha de clima quente e ensolarada, por vezes atingida pelos quentes ventos saarianos, que criam condições especiais para que a Nero d’Avola, a principal variedade siciliana que dá origem a tintos sedutores pela opulência e robustez, ganha o seu contraponto nos vinhos produzidos nas encostas do vulcão.
Os tintos clarinhos e complexos feitos com a variedade local Nerello Mascalese (principalmente) mais lembram os vinhos da montanhosa Piemonte.
A comparação é justa não apenas pela semelhança do visual dos vinhos, mas por também contrastar a tonalidade rubi clara com uma estrutura firme e alguma austeridade, além do frutado fresco, que pouco lembra a ensolarada ilha.
Para reforçar que o paralelo está longe de ser um clickbait, em recentes aquisições de vinhedos na região, dois ícones piemonteses (a terra do Barolo) fincaram os pés no Etna.
Angelo Gaja se associou ao produtor local Alberto Graci para fundar a vinícola Idda em 2017, e Oscar Farinetti, o fundador do empório Eataly e proprietário das vinícolas piemontesas Borgogno e Fontanafredda, se associou a Francesco Tornatore para fundar a Tenuta Carranco.
A terra no Etna ainda é barata. Enquanto um hectare de vinhedo em algum dos “crus” de Barolo – vinhedos delimitados e classificados, como por exemplo Cannubi, Brunate, Villero e Gabutti – tranquilamente passa de um milhão de euros, o hectare de vinhedo em uma das 142 contrade do Etna ronda “módicos” 150 mil euros. (Uma contrada equivale a um “cru” de Barolo).
Embora a denominação de origem para vinhos do Etna exista desde 1968, a revolução qualitativa de seus vinhos se deu no início dos anos 2000, com produtores que entendiam inicialmente muito mais do mercado de vinhos global que de viticultura e enologia – os casos mais evidentes sendo Marc di Grazia (Tenuta delle Terre Nere) e Frank Cornelissen.
O primeiro até se notabilizava pela importação e distribuição de vinhos italianos nos Estados Unidos, e o segundo, o belga Cornelissen, já era herdeiro de uma grande coleção de garrafas em poder de sua família, e também atuava como agente comerciante de garrafas raras.
O terceiro membro dos refundadores dos vinhos do Etna foi Andrea Franchetti (falecido em 2021). Já no comando da cultuada vinícola toscana Tenuta di Trinoro, Franchetti (e seus dois colegas já mencionados) ignoraram a predileção de tintos encorpados que brilhavam nas páginas dos críticos em meados da década de 2000.
Mais que buscar a elegante personalidade da Nerello Mascalese, valorizada pelo clima e ventos frescos das encostas do Etna, esses produtores começaram a fazer seus vinhos e rotulá-los com o nome da parcela ou vilarejo de onde vinham as uvas.
Marc di Grazia foi um dos precursores a pregar que o Etna é a Borgonha do Mediterrâneo, devido à multiplicidade de expressões conforme se caminha de um vinhedo a outro da região.
Em 2011, o conselho regional dos vinhos do Etna formalizou a delimitação e divisão das contrade (vinhedos) do Etna, inspirado no modelo MGA (menzioni geografiche aggiuntive) de Barolo e no conceito de lieu-dit da Borgonha. Inicialmente eram 133 diferentes contrade, mas em 2022 esse número foi ampliado para 142 (para tintos e brancos).
Nos dez anos seguintes à consolidação do mapa de contrade do Etna, houve uma verdadeira corrida por terras e vinhedos na zona, em especial nas faces leste e norte do vulcão, consideradas as melhores.
O maior movimento agora são de vinícolas sicilianas que ainda não tinham vinhedos no Etna, caso da Donnafugata (em um projeto solo e outro em parceria com a dupla de estilistas Dolce & Gabbana), Planeta, Cusumano e Tasca d’Almerita.
Esta última criou a vinícola Tascante no Etna em 2006. Lorenzo Gucci, gerente de exportação da vinícola, esteve em São Paulo recentemente para apresentar os novos vinhos de contrada da vinícola.
“O primeiro vinhedo da família Tasca no Etna foi comprado em 2006. Foram 10 anos de observação e experimentação para lançar a safra 2016 com as expressões singulares de cada vinhedo,” disse Lorenzo.
A partir daí ainda tiveram que abortar a safra 2018 em virtude do clima hostil. A safra 2019 foi a primeira a ser trazida ao Brasil (pela Mistral) e agora acaba de desembarcar a safra 2020, com os tintos Tascante Pianodario (R$ 917) – a mais elevada, aos 775 metros de altitude, etéreo, com perfume de flores e ervas do campo -, Tascante Rampante (R$ 917) – 740 metros, melhor exposição solar e expressão complexa e equilibrada -, e Tascante Schiaranuova (R$ 917) – também aos 740 metros mas na face norte, que cria um perfil mais acessível e pronto para se beber, com intensa expressão da fruta.
Para o futuro, Antonio Rallo, enólogo e diretor de Donnafugata destaca que mesmo com as mudanças climáticas ainda existem outras fronteiras a serem exploradas no Etna. “Hoje as contrade estão mapeadas e contemplam vinhedos até 800 metros de altura. Já existem vinhedos nos 1.000 metros de altitude no Etna (o vulcão tem 3.324m.), mas hoje estão no limite da viabilidade econômica para se trabalhar.”
Outras expressões do Etna que vale conhecer:
Passopisciaro Contrada R 2021 (R$ 825, na Fratello Vinhos) – da Contrada Rampante. Por estar próxima dos 1.000 metros de altitude não possui a denominação de origem.
Eduardo Torres Arenaria Nerello Mascalese 2019 (R$ 635, na Cellar Vinhos) — a new wave do Etna, de um jovem enólogo que trabalha com mínima intervenção nos vinhedos (orgânico) e na vinificação.