ILHA DA MADEIRA, Portugal – Pisar aqui pela primeira vez foi como entrar num cenário pintado a mão. O contraste entre o verde intenso das montanhas, o azul profundo do Atlântico e o colorido das flores em cada canto já seria suficiente para encantar qualquer viajante.

Mas para mim, o verdadeiro tesouro da Madeira não estava só na paisagem, e sim nas suas taças. 

Como um apaixonado por vinhos – especialmente pelo Vinho do Porto – eu estava curioso para entender o que tornava o Vinho da Madeira tão celebrado. A experiência, no entanto, superou todas as minhas expectativas.

Maria Stangl, membro da Confraria do Vinho da Madeira, me ciceroneou e apresentou a história deste vinho que atravessou séculos e oceanos. Durante nossa estada, a cada dia ela me contava mais detalhes. E é dessa austríaca de nascença (e madeirense de coração) que vem a melhor definição da Ilha: “um jardim flutuante”.

Desde o século XV, quando as primeiras videiras chegaram à região, o Vinho da Madeira se transformou em uma joia do Atlântico.

Vinhos da Madeira

Saber que ele foi o escolhido para o brinde à declaração da independência dos Estados Unidos, em 1776, entre outros eventos históricos, só aumentou minha curiosidade. Como algo tão histórico poderia ser tão vibrante nos dias de hoje? Na Madeira, ainda é possível encontrar vinhos do século XIX, da época napoleônica, que proporcionam experiências de degustação excepcionais.

O que torna este vinho tão especial é a combinação arrebatadora de doçura, acidez e complexidade. Seu método único de produção inclui o aquecimento lento do vinho, conhecido como “estufagem” ou “canteiro”, e uma longa maturação em barris de madeira. Esses métodos não só intensificam seus aromas e sabores como também conferem uma longevidade impressionante.

O processo de “canteiro” tem origem no século XVII, quando era comum enviar barris de Vinho da Madeira em viagens pelos trópicos, no porão de navios. Os vinhos retornavam dessas viagens com qualidade superior, graças ao aquecimento sofrido. Por isso, eram chamados de “vinhos de roda” ou “vinhos de tornaviagem”. Já o método de “estufagem” foi inventado no século XIX para encurtar esse processo de aquecimento, que antes durava anos.

O Vinho da Madeira é produzido em quatro estilos principais: seco, meio seco, meio doce e doce. Esses estilos são representados, respectivamente, pelas variedades de uvas brancas Sercial, Verdelho, Boal e Malvasia. Contudo, a casta mais plantada na Ilha é a Tinta Negra, responsável pelo maior volume dentre todos os Vinhos da Madeira, notadamente nos estilos meio doce e doce.

Sem legenda 1 1

Hoje a Ilha tem oito produtores. Passei bons momentos explorando as adegas de Pereira d’Oliveira, Justino’s, Barbeito, Henriques & Henriques e Blandy’s (Madeira Wine Company).

Além de sua capacidade de envelhecer por séculos, o Vinho da Madeira tem outra característica rara: uma vez aberta, a garrafa pode ser mantida por meses (na Madeira, fala-se sem hesitação em até em um ano) sem perda de qualidade. Isso o torna uma opção ideal para ser servido em pequenas porções, prolongando o prazer de cada degustador.

Mas não foi apenas o vinho que marcou minha visita. A Ilha da Madeira é uma experiência em si, e poucos lugares capturam isso tão bem quanto a Fajã dos Padres. Para quem, como eu, nunca havia ouvido falar em “fajã”, trata-se de pequenas extensões de terra plana, geralmente criadas pelo deslizamento de encostas montanhosas ou pela lava de antigas erupções vulcânicas. Na Madeira, essas fajãs são um refúgio de fertilidade, com microclimas únicos que possibilitam o cultivo de frutas, hortaliças e, claro, videiras.

Chegar à Fajã dos Padres é uma aventura. Descemos em um teleférico que serpenteava pela encosta íngreme, revelando uma vista que parecia saída de um sonho. Lá embaixo, o cenário era tão idílico quanto prometido: vinhedos, árvores frutíferas e o Atlântico como pano de fundo. A combinação era quase poética, uma celebração da terra, do mar e do trabalho humano.

Enquanto saboreava um Madeira e contemplava o horizonte, pensei no quanto essa viagem havia mudado minha percepção. Sempre admirei o Vinho do Porto por sua robustez e tradição, mas a Madeira tem algo diferente, quase rebelde, como se quisesse desafiar o tempo e redefinir o que significa ser eterno.

A Madeira não apenas reafirmou minha paixão por vinhos fortificados, mas também me mostrou que, assim como uma boa safra, sempre há algo novo a ser descoberto e apreciado. E agora, quando abro uma garrafa de Vinho da Madeira, sinto que estou bebendo um pedacinho dessa ilha mágica.

Luiz Gastão Bolonhez é especialista em vinhos. Compartilha suas experiências no Instagram e é curador de vinhos nos leilões da Blombô.

Vinhos da Madeira 1