Diferente da maioria dos ativos financeiros, a terra não se move, não deprecia nem se multiplica.

Essas qualidades únicas fazem da propriedade de terra a garantia ideal, e explicam por que ela se tornou o ponto central do sistema financeiro global, escreve Mike Bird, o editor de Wall Street da The Economist, em seu livro que sai daqui a alguns dias, The Land Trap. (Compre aqui)

Bird conversou com o DealBook sobre como a terra impulsiona booms, colapsos e desigualdade em todo o mundo. A entrevista foi condensada e editada.

O que é a “land trap”?

Se o preço dos terrenos está muito alto, há um perigo extraordinário, quer ele suba ou desça.

Se subir, isso é bom até certo ponto. Significa que as coisas provavelmente estão indo muito bem para a cidade. Mas isso exacerba a desigualdade. Os aluguéis sobem. Muitas pessoas estão obtendo um ganho inesperado bastante grande para o qual não fizeram nada em particular para merecer.

Se os preços caírem, isso alivia um pouco a desigualdade. Mas a grande maioria do crédito emitido pelos bancos é garantido por essa terra na forma de hipotecas. E podemos ter crises financeiras realmente prejudiciais e devastadoras.

Como a Grande Depressão ajudou a montar essa armadilha nos Estados Unidos?

Ela colocou uma espécie de motor de foguete no interesse do governo federal em incentivar a propriedade de casas e de terras.

Acho que teria sido muito difícil explicar a um formulador de políticas no meio da Grande Depressão que, no futuro, os preços das casas estariam muito altos em algumas partes do país. Mas eu acho que as raízes do problema estão, em parte, nesse fluxo interminável de subsídios, assistências e na promoção da propriedade de casas, o que tornou muito vantajoso possuir terra como um ativo em relação a muitos outros.

Muitas pessoas têm um enorme interesse no aumento do valor de suas casas, o que é compreensível. Mas todos também querem ter acesso fácil à propriedade de casas. Você não consegue ter essas duas coisas.

Você escreve que os Estados Unidos são relativamente menos limitados pela terra, em parte devido a mercados de capitais robustos que oferecem outras opções para financiamento e investimentos. Esse não é o caso da China, que, conforme você escreve, em grande parte “pegou emprestado” de Hong Kong as raízes de seus problemas de mercado imobiliário. O que tornou Hong Kong e a China tão vulneráveis?

O governo de Hong Kong é o proprietário de toda a terra em Hong Kong. E tem sido assim desde que foi fundada como uma colônia da Coroa no Império Britânico. Era uma maneira muito útil de financiar as coisas para o Império Britânico, porque significava que as colônias não precisavam de subsídios de Londres.

Isso foi copiado integralmente pelas cidades chinesas no final dos anos 1980 e, ainda mais agressivamente, nos anos 1990, como sua principal forma de se financiar.

E os problemas que você vê em Hong Kong são, até certo ponto, os problemas que você vê aparecendo na China, com preços imobiliários altíssimos e com tudo bastante conectado aos preços de terra — porque os governos locais sofriam para se financiar sem poder negociar essas áreas.

Você estabelece um contraste entre Hong Kong e Singapura, que herdaram sistemas de financiamento de terra semelhantes de seus tempos como colônias britânicas. Uma tem custo de moradia entre os mais caros do mundo, enquanto na outra esses custos são bem mais acessíveis. Por quê?

Lee Kuan Yew, que foi o primeiro Primeiro-Ministro de Singapura, aprovou algo chamado Land Acquisition Act (Lei de Aquisição de Terras), que na prática permitiu ao governo de Singapura comprar terras privadas a custos muito reduzidos.

Com essa terra, eles oferecem moradias. Se você é um cidadão de Singapura, pode comprar uma dessas casas a taxas de juros extraordinariamente baixas. Se você tem baixa renda, recebe um subsídio para cobrir o custo de entrada. Você não pode possuir várias casas e usar algumas delas para aluguel, o que impede em grande parte a competição.

Não se trata de um mercado de moradia, nos moldes ocidentais, e tampouco se trata de assistência social para habitação, como os ocidentais entenderiam. As pessoas podem vender e trocar as casas, mas eles chegaram a um sistema que foi extraordinário em promover a propriedade de casas.

A ideia de um “imposto único” – que ganhou força no final do século XIX, antes que a propriedade de casas fosse generalizada – visava estagnar a especulação ao tributar a terra em 100% de seu valor de aluguel, mas isentando qualquer coisa que o proprietário fizesse para melhorar a propriedade. Esse caminho, assim como o modelo de Singapura, não parece viável nas economias desenvolvidas de hoje. O que há para aprender com esses exemplos?

Países em desenvolvimento que realmente não começaram a fazer uso do valor de sua terra provavelmente podem aprender bastante com Singapura.

A longo prazo, embora seja improvável que o “imposto único” seja aprovado em países onde 60% das pessoas ou mais possuem casa própria, teremos que pensar seriamente em como direcionar o sistema tributário em várias economias desenvolvidas prioritariamente em direção à propriedade de terra, porque se trata de uma enorme oportunidade, além de ser mais igualitária. Isso provavelmente aconteceria através do aumento dos impostos sobre a propriedade com vários créditos e descontos para as construções que estão de fato sobre elas.

Não é algo a ser feito com muita facilidade, e é por isso que se trata de uma armadilha.