Faltando horas para o encerramento do período de reservas, o IPO da Vamos está parecido com aquela pérola atribuída ao atacante Nunes, do Flamengo: “Fiz que fui, não fui, e acabei fondo”.

Na manhã de ontem, a oferta estava apenas 80% coberta. À tarde, novas ordens de compra, especialmente de fundos internacionais, elevaram a demanda para 1,2 vez o book, segundo investidores envolvidos no processo.

Mas o jogo ainda não acabou.

Alguns gestores locais ainda tentam emplacar um corte na faixa, que vai de R$ 17 a R$ 21 — e a demanda nesta sexta-feira vai ser o fiel da balança. (As reservas do varejo, que costumam representar algo entre 10% e 20% da oferta, são computadas no último dia).

Ainda que os fundamentos sejam considerados promissores, a incerteza com a economia pesa num negócio dependente de crescimento, e há ceticismo quanto à capacidade de entrega do controlador, a JSL.

Boa parte dos fundos com perfil de mais longo prazo ainda se ressente do IPO da Movida, a locadora de automóveis do grupo que estreou na Bolsa há pouco mais de dois anos.

A oferta da Movida saiu a fórceps, com a redução da faixa de preço e um book concentrado em poucos fundos — e depois despencou quando a companhia não cumpriu o guidance.

“Nem cheguei a olhar [a Vamos]”, diz o gestor de um grande fundo long-only, ecoando um comentário comum entre casas com a mesma filosofia de investimento. “A Movida não entregou uma promessa sequer”.  

Some-se a isso o ruído do IPO da Centauro, precificado um pouco acima da faixa indicativa, e que já caiu quase 5%.

Entre gestores, comenta-se que havia boa demanda para emplacar o IPO no piso, englobando investidores de mais ‘qualidade’ — notadamente os long-only que seguram o papel por mais tempo e dão mais estabilidade ao negócio.

Mas os bancos e a empresa decidiram precificar para cima, dando espaço para fundos mais focados no curto prazo e que pulam fora do papel mais rapidamente. “Boa parte dos bancos são os mesmos nos dois consórcios”, o que gerou má vontade em partes do mercado, diz um gestor.

A oferta da Vamos tem nove bancos: Bradesco BBI (líder), BTG Pactual, Santander, Merrill, XP, Banco do Brasil, Caixa, Credit Suisse e Safra.

O negócio de aluguel de caminhões guarda semelhanças com o de locação de carros, mas é um mercado bem menos povoado e com alto potencial de crescimento.

A Vamos é a líder inconteste num segmento ainda nascente. Com a redução dos incentivos para a compra de caminhões — que saíam a juro negativo com o Finame do BNDES — as empresas têm visto cada vez mais vantagem em terceirizar a frota.

Além de tirar o peso dos ativos do balanço dos clientes, a Vamos faz uma gestão da frota eficiente, eliminando, por exemplo, a necessidade das empresas de terem mais caminhões do que precisam para substituí-los em caso de quebra ou manutenção (a frota ‘extra’ para esses casos está prevista em contrato).

A greve dos caminhoneiros e a política de frete mínimo foram um vento a favor: vale mais a pena para as empresas ter sua frota própria — ainda que terceirizada — do que ficar ao sabor dos autônomos.

Os contratos de locação da Vamos têm normalmente duração de cinco anos, contra três anos das empresas de aluguel de frotas de carros, o que garante uma boa recorrência de receita. Como os contratos são mais longos, a empresa consegue retirar mais valor do ativo durante o prazo de locação, ficando menos suscetível a impactos de preço no momento da revenda.

Assim como as locadoras de carros, a Vamos tem revendas próprias para reciclar sua frota. Seus seminovos são vendidos com cinco ou seis anos de vida útil, muito abaixo da média de 10 anos normalmente praticado nesse mercado. (A idade média da frota brasileira é de 17 anos).

O ROIC — retorno sobre capital investido e principal métrica do setor — é de pouco mais de 11%. Na Localiza, considerada o benchmark na locação de carros, o valor é de gira na casa dos 14%. “E sem risco de execução, nem de controlador”, aponta um analista.

Os múltiplos são diferentes. No piso da faixa indicativa, a R$ 17/ação, a Vamos negociaria a 15 vezes seu lucro projetado para 2019, na mesma faixa da Unidas e Movida e bem abaixo de Localiza, que roda acima de 25.

Quem vê o copo meio cheio, aponta que a Vamos tem uma vantagem incontestável de primeira entrante, com alto poder de barganha com as concessionárias (ela é a principal compradora de caminhões do país). “A Vamos é a Localiza de 20 anos atrás”, diz um gestor entusiasta.

Os mais céticos dizem que o preço embute premissas de crescimento muito altas e alertam que, ainda que hoje os concorrentes sejam mais pulverizados e menos profissionais, outros players poderiam se capitalizar para competir num setor que vem ganhando atratividade.

Outra questão diz respeito ao conflito de interesses. A controladora JSL tem um negócio em que faz toda a gestão de logística dos clientes – e os caminhões e máquinas agrícolas são parte importante da cadeia. “Quando a Vamos vender serviços agregados, esse valor fica com a Vamos ou com a JSL?”, questiona um gestor. “Ainda não está claro como será essa relação”.

Questões de governança à parte, o IPO da Vamos pode dar tração às ações da JSL.

Com uma dívida líquida de R$ 6,7 bilhões — concentrada principalmente numa emissão externa de bonds — a companhia tem um valor de mercado de R$ 2,1 bilhões, o mesmo valor de sua fatia de 70% na Movida, que vale R$ 3 bilhões na Bolsa.

A ação da JSL já dobrou desde o fim de outubro, em parte por conta da expectativa de IPO, mas principalmente por conta da redução dos juros e da percepção de risco com a eleição de Bolsonaro, que tendem a reduzir o custo da dívida.

No piso, a Vamos será avaliada em R$ 2,1 bilhões. A companhia quer captar R$ 900 milhões, dos quais metade vai para o caixa e metade para a JSL, que teria sua participação diluída para 56%.

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