A libra esterlina já foi a moeda mais poderosa do mundo. Antes da dominância do dólar, ocupou por décadas o papel de reserva internacional de valor.
Era também, até pouco tempo atrás, uma das moedas mais valorizadas. A fortaleza das cédulas exibindo o rosto estampado da rainha Elizabeth refletia a confiabilidade ostentada por Londres como centro financeiro global.
Em 2007, no apogeu mais recente da libra, eram necessários US$ 2 para trocar por uma moeda de 1 libra.
Not anymore.
Depois de uma desvalorização acelerada nos últimos dias, a libra agora vale US$ 1,06 – com viés de baixa –, e o Bank of England (BoE) teve que fazer uma intervenção hoje pela manhã para estabilizar o mercado de títulos públicos: suspendeu o quantitative tightening e vai comprar títulos longos.
No mercado de opções, os traders ampliaram as suas apostas de que a libra cairá abaixo de US$ 1 até o fim do ano. A corretora Nomura estima que a paridade ocorrerá em novembro, e que a moeda encerrará o ano cotada a US$ 0,975.
A origem do problema da libra está na leniência de sua Autoridade Monetária. Com a inflação no Reino Unido acima de 10%, a maior em quatro décadas, o BoE demorou a agir e ficou atrás da curva inflacionária.
Mas o golpe de misericórdia contra a moeda foi o plano econômico da nova primeira-ministra, Liz Truss, que traz uma combinação explosiva de aumento de subsídios e redução de impostos. O plano deve criar um rombo nas contas públicas da ordem de 7% do PIB nos próximos dois anos. Foi o gatilho para o espetacular tombo da libra nos últimos dias.
Rogério Xavier, o fundador da SPX, estima que se não houver um ajuste fiscal e um aperto monetário mais rápido, a coisa ainda vai piorar.
“O Reino Unido tem déficits gêmeos: um mega déficit na conta corrente do balanço de pagamentos e o fiscal frouxo,” Xavier disse ao Brazil Journal. “Com o Bank of England dovish, não tem jeito: o ajuste é na moeda.”
A última vez em que a libra havia se aproximado da paridade com o dólar foi há quase quatro décadas, mais precisamente em 1985. Naquele período, a moeda americana também passava por uma fase de forte valorização. Era um reflexo do choque de juros de Paul Volcker em sua luta para “quebrar a espinha da inflação”.
Com a inflação no atacado ainda rodando em 20%, o BC britânico indicou que vai acelerar o aperto monetário, mas recuperar a credibilidade será uma missão complicada, e o pacote econômico de Truss deixará a tarefa ainda mais difícil.
Para superar o marasmo econômico, a primeira-ministra propôs o maior corte de impostos desde os anos 1970. Além disso, o governo vai gastar US$ 50 bilhões para subsidiar as tarifas de eletricidade.
Truss quer ressuscitar o espírito de Margaret Thatcher. Em linha com a visão histórica do Partido Conservador, ela acredita na redução de impostos como alavanca para a atividade econômica.
Não se sabe se vai dar certo, mas no curto prazo, dizem os analistas, o alívio tributário aprofunda o buraco fiscal, enfraquece a libra e joga mais lenha na inflação. O efeito deve ser um PIB ainda mais fraco nos próximos trimestres.
A reação negativa dos mercados derrubou a libra e elevou os juros dos títulos públicos para os maiores patamares em duas décadas. As taxas dos papéis de 30 anos atingiram 5%.
Larry Summers, o ex-secretário do Tesouro dos EUA, vê com pessimismo o plano de Truss. “Mas não imaginei que os mercados ficariam tão ruins tão rapidamente,” Summers disse no Twitter.
“Uma tendência de juros longos em alta e moeda em baixa é característica de situações de perda de credibilidade,” disse Summers. “Acontece com mais frequência nos países em desenvolvimento”, mas, segundo o economista, já ocorreu no início do governo Mitterrand, na França, e no final do governo Carter, nos Estados Unidos, antes da chegada de Volcker ao Fed.
O plano de Truss mereceu uma reprimenda do Fundo Monetário Internacional. “Tendo em vista as pressões inflacionárias em muitos países, incluindo o Reino Unido, não recomendamos pacotes fiscais amplos e que não sejam focados, porque é importante que a política fiscal não trabalhe contra a política monetária,” diz a nota.
O Fundo pede que o governo britânico reavalie as medidas, especialmente especialmente aquelas que vão beneficiar os mais ricos. “O teor das medidas do Reino Unido provavelmente vai elevar a desigualdade.”
O presidente do BoE, Andrew Bailey, é visto pelo mercado como dovish em demasia. De acordo com gestores, ficou atrasado na alta de juros em relação ao Federal Reserve e tem sido menos agressivo do que o Banco Central Europeu, mesmo lidando com uma inflação bem mais elevada – que, se não fosse o limite de reajuste das tarifas, bateria nos 15%, um número raro até mesmo no Brasil pós-real.
“Acompanho os bancos centrais de 20 países. O presidente do BC inglês é muito fraco, só perde para o da República Tcheca,” disse um gestor brasileiro com passagem pelo Banco Central.
A tormenta nos mercados ingleses trouxe especulações sobre uma possível reunião emergencial do BoE. A próxima reunião oficial ocorrerá apenas em novembro.
Até o momento, Bailey e seus colegas parecem ter optado por engrossar o discurso com falas mais duras. O mercado reagiu jogando a curva de juros para cima, antecipando altas maiores do que o previsto anteriormente.
Entre as principais moedas do mundo, a libra foi a que mais se desvalorizou em relação ao dólar desde o começo do ano, com uma queda de 20%. Mas a alta dos juros nos Estados Unidos fortaleceu a moeda americana em quase todo o mundo, sobretudo na Europa ameaçada pela recessão.
Ao menos para os turistas, é a oportunidade de visitar a historicamente cara Londres gastando menos do que em Nova York.