M’DIQ, Marrocos — Com o corpo sovado após uma longa massagem, me permito cochilar enquanto flutuo sem esforço numa piscina de água salgada.

Desperto sem saber se passaram 15 minutos ou 2 horas, mas não há pressa: meu próximo compromisso é me embrulhar num felpudo roupão e comer tâmaras recheadas com castanhas.

Estou no spa médico do recém-inaugurado Royal Mansour Tamuda Bay, o terceiro hotel da coleção de ultraluxo do Rei do Marrocos, Mohamed VI, construído com a missão de atrair turistas estrangeiros para a costa mediterrânea marroquina.

O Marrocos vem investindo com força no turismo, e está colhendo frutos: o país teve número recorde de visitantes em 2024 — 17,4 milhões, quase o triplo do Brasil, que recebeu 6,7 milhões — e a participação do setor no PIB já se aproxima de 10%.

Nessa linha, a marca Royal Mansour foi criada pelo Rei para apresentar a versão mais tradicional, luxuosa e exclusiva do país aos visitantes capazes de custeá-la. 

O primeiro hotel foi inaugurado em 2010 em Marrakech, a capital turística do Marrocos, e hoje é o 38º melhor hotel do mundo, segundo a premiação 50 Best. O segundo abriu em Casablanca, o centro financeiro do país, em 2024; e a quarta e próxima abertura deve ocorrer na capital administrativa do país, Rabat.

O Tamuda Bay, por sua vez, representava um desafio adicional para o management da hoteleira. Além de manter o nível de excelência da marca, seria preciso criar um fluxo contínuo de hóspedes para uma região que, apesar de ser frequentada pela elite marroquina e já possuir hotéis como o St. Regis e o Ritz-Carlton, ainda é pouco conhecida no exterior.

(Cidades como Essaouira e Agadir, na costa atlântica, são os grandes destinos de praia para estrangeiros.)

trip2

A chegada ao resort — ao lado do palácio de veraneio do Rei, a 20 quilômetros do Estreito de Gibraltar e às margens do Mediterrâneo — seria relativamente simples de resolver. Um voo de Madrid até Tânger (1h30 de carro do hotel) ou Tetuán (20 minutos) leva pouco mais de uma hora, e o Ministério do Turismo tem trabalhado nos bastidores para ampliar a oferta aérea da região.

O xis da questão seria atrair visitantes no inverno, já que o norte do Marrocos foge aos estereótipos paisagísticos e climáticos do país. Há florestas, as montanhas do Rife e um clima mais ameno (e não necessariamente praiano) no fim do ano.

Com isso em mente, e inspirado pelas crescentes tendências internacionais de cuidados com o corpo, o management do Royal Mansour decidiu equipar o hotel com um spa médico.

O ziguezagueante prédio de 4.300 metros quadrados e três andares tem duas piscinas, academia e oferece uma série de tratamentos como massagens, hidroterapia e hammam — um tradicional banho com esfoliação marroquino que decidi experimentar.

Após me hidratar com uma água saborizada de limão e me trocar no vestiário, sou levado a uma sauna abrasadora e úmida onde fico por 5 minutos para que os poros da pele se dilatem.

Quando finalmente sou resgatado do bafo, vou para outra sala e me deito sobre uma pedra de mármore aquecida próxima ao chão. Há uma torneira na parede à minha frente e um balde logo abaixo.

A mulher que conduz o banho se senta na extremidade da pedra e me lava com a água do balde, um momento meio maternal antes da kessa (luva de esfoliação) entrar em ação.

Com a ‘arma’ calçada, a atendente esfrega o meu corpo e deixa um rastro de pele morta por onde passa — uma interação que começa dolorosa e me faz questionar minha higiene pessoal, mas que se torna prazerosa e purificadora após a aplicação de sabonetes e cremes.

Um banho quente e um mergulho em água gelada completam o hammam.

O tratamento me lembrou muito o “passa já”, o banho com jeitinho de surra que a minha tia me dava durante a infância nos dias em que eu aprontava (e me sujava) muito. Mas essa é a parte light do spa. 

O carro-chefe – e onde entra a parte médica da coisa – é um programa de longevidade desenvolvido por um time multidisciplinar que dura 7, 10 ou 14 dias e envolve uma série de avaliações: clínica, laboratorial, física, de estresse, de estilo de vida, de sono…

Em meio à bateria de exames, os pacientes também têm à disposição tratamentos como crioterapia, acupuntura e drenagem linfática; sessões de yoga, pilates e treinos de alta intensidade; e aparelhos médicos para depilação, redução de gordura e rejuvenescimento da pele.

Há ainda três dietas — de 850, 1300 ou 1500 calorias diárias — que os hóspedes são orientados a adotar durante o programa. No entanto, mesmo sem ter provado qualquer prato da alimentação recomendada, serei obrigado a dizer que sou contra.

A oferta gastronômica do Tamuda Bay é um escândalo, com deliciosas frutas e castanhas, pâtisserie e boulangerie dignas de Paris e restaurantes de três chefs triestrelados pelo Michelin. 

Massimiliano Alajmo comanda o italiano Cocinella; Éric Frechon assina o menu do francês La Table; e Quique Dacosta está por trás da casa espanhola Le Méditerranée e do gastrobar à beira-mar Pool Beach.

trip3

Sim, hoje o que não falta é restaurante meia-boca de hotel com menu assinado por algum chef famoso, mas o Royal Mansour faz as coisas direito. 

Alajmo, Frechon e Dacosta viajam à região com frequência e têm acesso a produtores locais e agrônomos, o que lhes permite desenvolver ou adaptar os ingredientes necessários.

 A qualidade dos produtos servidos no hotel me impressionou a tal ponto que minha refeição favorita da estadia foi uma simples porção de melão.

Mas os restaurantes também têm highlights de sobra, desde o delicado tortellini recheado com peixe defumado e caviar, servido no Cuccinella; até a indecente porção de churros polvilhados com açúcar de baunilha e calda de mousse de chocolate, disponível no Pool Beach.

Como eu disse, um escândalo. 

A seleção estrelada de chefs internacionais, algo que se repete em todas as unidades da coleção, é parte essencial da estratégia do Marrocos para atrair o Guia Michelin ao país, o que ainda não ocorreu.

Apesar disso, e da excelente comida servida, senti falta de uma casa especializada na gastronomia local.

Utilizado pelo entourage do Rei durante o verão, o Royal Mansour Tamuda Bay tem 55 suítes e vilas cor de areia espalhadas em um comprido terreno à beira-mar.

Os aposentos são espaçosos mas aconchegantes, com abundante luz solar e uma mobília em tons claros que transita entre a inspiração marroquina tradicional e referências modernas.

O serviço é — extremamente — atencioso e silencioso, com dezenas de colaboradores sorridentes disponíveis em qualquer local de interesse do resort e diversas rodadas de housekeeping ao longo do dia.

É raro, no entanto, esbarrar com funcionários ao caminhar pelo hotel, já que eles se locomovem por uma rede de túneis subterrâneos.

Os hóspedes têm bicicletas à disposição — ou podem solicitar um carrinho de golfe — para se deslocar dentro do resort, que tem três piscinas (duas no spa e uma de frente para a praia), complexo esportivo e área de recreação infantil.

Além disso, é possível agendar atividades externas como passeios de barco, ou pelas montanhas do Rife ou às cidades de Tetuán, Chefchaouen e Tânger; e práticas esportivas como stand-up paddle e wakeboard.

Mas já adianto que vai ser difícil querer sair do spa.

Os programas de longevidade custam a partir de € 5.500 e não incluem as diárias, que começam em € 594 na baixa temporada.

O repórter viajou a convite da Royal Mansour.

trip4