O Silicon Valley Bank talvez não seja o único banco americano a enfrentar problemas de liquidez, disse a Gavekal num relatório agora à tarde.

“Há um alto risco de que mais problemas emerjam em outros bancos,” disse a consultoria.

Os lucros dos bancos comerciais americanos “estão sob pressão pela piora na qualidade dos ativos, fraco crescimento dos empréstimos, reservas em queda e alta nos juros dos depósitos bancários,” diz a consultoria internacional, para quem o SVB é apenas o primeiro de uma série de instituições em apuros.

O “banco das startups” do Vale do Silício não resistiu à sangria em seus depósitos e sofreu intervenção do governo americano agora à tarde, tornando-se a primeira grande instituição financeira americana a quebrar desde a Washington Mutual na crise de 2008.

O SVB vinha tentando levantar capital desde o início da semana, ao mesmo tempo em que conversava com possíveis interessados em adquirir as suas operações. Não houve tempo.

Suas ações mergulharam 80% antes das negociações serem suspensas.

A Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), a agência americana criada em 1933 no auge da Grande Depressão para proteger correntistas e poupadores, assumiu o controle.

Com sede em Santa Clara, na Califórnia, o 16º maior banco dos EUA em ativos carregava US$ 175 bilhões em depósitos.

O gatilho que disparou a crise aconteceu no final da quarta-feira, quando o banco surpreendeu Wall Street dizendo que teve que vender um portfólio de títulos (a um prejuízo de US$ 1,8 bilhão) e ainda planejava levantar US$ 2,25 bilhões com a venda de novas ações, capital necessário para reforçar o seu balanço.

A notícia deu início a uma corrida por resgates, do Vale até a Faria Lima.

Ontem, enquanto o CEO Greg Becker dizia aos clientes para se manter “calmos,” Peter Thiel e outros VCs ligavam para suas investidas e mandavam sacar tudo – imediatamente.

A crise do SVB dragou o setor financeiro no pregão de ontem, com os quatro maiores bancos dos EUA perdendo mais de US$ 50 bi em valor de mercado.

Mais uma vez, a reversão de um período de grande liquidez financeira deixará mortos e feridos. A dúvida é se existe o risco de um contágio semelhante ao da crise do subprime em 2008.

Os tempos de juros extremamente baixos inflaram diversos negócios nos EUA, e o venture capital surfou (muito) essa onda.

Até o início de 2022, antes de o Federal Reserve dar início ao aperto monetário, houve um boom nos recursos para startups – e muitas dessas empresas de tecnologia são clientes do SVB.

Como aponta a Gavekal, os resultados dos bancos comerciais dependem de dois fatores basicamente: o tamanho de seus balanços e das margens recebidas nas transações, e “o cenário para ambos é sombrio.”

O aperto monetário derrubou o ritmo de concessões de empréstimos, piorando a qualidade dos ativos, e a inadimplência subiu. “Isso reduziu os ganhos com o crédito, algo particularmente ruim para os bancos menores,” diz a Gavekal.

Ao mesmo tempo, os poupadores passaram a buscar alternativas mais rentáveis na renda fixa depois de anos de juros próximos a zero. O yield dos Treasuries de 2 anos estava abaixo de 2% em março do ano passado, e agora bateu 5% – uma rentabilidade não vista desde 2007.

Para os bancos, não pesa apenas a alta dos juros, mas também o quantitative tightening iniciado pelo Fed em 2019, dando início ao encolhimento de seu balanço após mais de uma década de expansão vertiginosa. Hoje o BC americano enxuga quase US$ 100 bilhões em liquidez do sistema financeiro por mês.

As reservas dos bancos menores têm sido impactadas duramente. Ao mesmo tempo, essas instituições em situação mais complicada de capital retardaram o aumento dos juros pagos aos correntistas nos depósitos.

Consequência: os clientes foram em busca de melhor rentabilidade em outras instituições ou mesmo nos títulos do Tesouro – e se os bancos menores aumentam os juros pagos, terão lucros ainda menores, agravando os desequilíbrios.

Apesar da ligeira alta recente, o rendimento das deposit rates não chega a 2%, bem abaixo dos títulos públicos e ainda mais abaixo da inflação.

“Resumindo, os bancos comerciais americanos entraram em 2023 enfrentando um squeeze múltiplo de seus lucros. O SVB soou o alarme, chamando a atenção dos investidores para o problema,” afirma a Gavekal. “Essa não é uma buy-the-dip opportunity. Os gestores de portfólio devem permanecer underweight nas ações de bancos.”

Já o UBS disse não ver (até agora) “sinais clássicos de contágio, como estresse no mercado bancário.”

Mas diz que o SVB não é a única instituição cujo balanço foi impactado pela desvalorização dos ativos, especialmente pela queda no valor dos Treasuries estacionados nas reservas de capital exigidas pelos reguladores.

Desde a grande crise financeira internacional, os bancos são obrigados a manter um índice de cobertura de liquidez acima de 100% de seus depósitos, com ativos líquidos e de alta qualidade – em geral, esses papéis são em boa parte títulos públicos.

De acordo com a FDIC, os bancos americanos possuem perdas não-realizadas de US$ 620 bilhões. Isso porque, com alta dos juros, os títulos de suas carteiras perderam valor.

Os bancos não são obrigados a marcar a mercado essas perdas. Mas um dia elas vêm à tona, como agora no caso do SVB, quando o banco se vê obrigado a vender os papéis para honrar os pedidos de resgate.

Para o UBS, esses “acontecimentos reforçam nossa visão negativa para as ações do setor financeiro dos EUA” e, além disso, “as preocupações sobre os resultados dos bancos e de seus balanços aprofundam o sentimento negativo para o mercado acionário como um todo.”