Na minha experiência, os executivos brasileiros lidam melhor com finanças do que seus pares norte-americanos ou europeus – particularmente em funções de tesouraria e lidando com conceitos como valor presente, fluxo de caixa descontado, juros compostos etc. Com um histórico de inflação elevada e juros altíssimos, os brasileiros adquiriram uma noção muito clara do valor do dinheiro no tempo.
Mas com relação à gestão financeira em geral, e à contabilidade em particular, a realidade é outra.
Para muitos executivos “C Level”, as demonstrações financeiras (DF) são um mistério, e eles apenas as acompanham superficialmente. O CEO e o CFO dão importância, mas a maioria dos outros membros da “C Suite” não consegue fazer a ligação entre estes números e as atividades de seu departamento e suas prioridades – e tem vergonha de dizer isto e de pedir maiores esclarecimentos ao CFO.
No dia-a-dia da controladoria e da gestão financeira, é preciso que os números sejam de fácil compreensão e que comuniquem uma história clara. Os membros da “C Suite” devem fazer um esforço para entender a história, mas cabe ao CFO desenvolver a narrativa escondida nos números, usando gráficos, diagramas e ilustrações que contam uma história. Para quem quiser se aprofundar no assunto, recomendo Simple Numbers, Straight Talk, de Greg Crabtree, Entreprenumbers, de Spencer Sheinin, e The Great Game of Business, de Jack Stack.
Uma dificuldade que muitos executivos financeiros têm em elaborar tal narrativa é que lhes falta uma boa noção da complexidade das funções dos seus pares, e em consequência não sabem avaliar quais informações estes precisam para tomar decisões. Além disto, pela insegurança dos colegas não-financeiros, estes também não dizem de quais números precisam.
Existe muita empresa onde a diretoria olha apenas as contas de Lucros & Perdas (L&P), comparando-as apenas com o orçado, e onde o balanço sequer é apresentado.
Um dos riscos de se fazer isto é que olhando apenas o L&P é possível ver um cenário, por exemplo, onde as vendas crescem, as margens se mantêm ou até aumentam, o lucro aumenta, mas o crescimento exige tanto capital de giro que a geração de caixa é negativa, de forma que quanto mais rápido a empresa cresce, mais consome caixa, e mais endividada fica. E isto tudo com a diretoria entendendo que está tudo bem!
Na minha experiência, para a maioria dos CFOs e gerentes financeiros, a principal preocupação é gerar em dia as DFs para efeitos societários e eventuais consolidações, assim como atender as exigências dos diferentes órgãos tributários. Isto leva a equipe financeira a focar no passado.
Deixam em segundo plano a produção de informações gerenciais e de projeções que são necessárias para tomadas de decisão. Para dar alguns exemplos de informações gerenciais, eu citaria rentabilidade por unidade de negócio (UN), rentabilidade por produto, rentabilidade por unidade geográfica, rentabilidade por cliente ou categoria de clientes, Retorno sobre Investimento (ROI) da empresa como um todo, e ROI de cada UN e de cada projeto novo também.
Além do mais, os critérios para classificação contábil (por exemplo, o regime de competência) podem ser muito diferentes dos critérios adotados na preparação do sistema de informações gerenciais.
Outro problema que encontro é que muitas diretorias olham apenas as DFs do último período. Isto é como dirigir um carro olhando pelo retrovisor, porque as DFs de apenas um período são um retrato do passado. O “C Level” precisa ver um filme – olhando as tendências indicadas pela análise de uma série de meses, tanto de informações contidas nas DFs, como aquelas no sistema de informações gerenciais. Estas tendências servem então como base para projeções futuras.
E projeções futuras não devem ser preparadas apenas para fins de orçamento, presumindo que a empresa continuará trabalhando da mesma forma que atua hoje. Projeções também devem ser elaboradas para simular diferentes cenários caso a empresa mude de direção, adotando um novo modelo de negócios, entrando com novos produtos ou em novos mercados, ou encerrando determinadas atividades.
Um outro erro que vejo com alguma frequência é que muitas empresas consideram o EBITDA (LAJIDA ou Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização) como um indicador de geração de caixa.
Ao fazer isto, esquecem que em geral as receitas, os custos e as despesas são classificados em regime de competência, e quando se soma de volta ao lucro líquido as despesas com juros e depreciação para obter uma aproximação de geração de caixa, os números de receita, custos e despesas continuam lançados em regime de competência e não de caixa, o que pode gerar uma distorção muito grande. Além disso, o EBITDA também não leva em conta saídas de caixa representadas por investimentos, por despesas capitalizadas, pelo impacto do capital de giro, e pelo serviço da dívida.
A boa gestão financeira exige não apenas boas noções de tesouraria e competência para a preparação de demonstrações financeiras para efeitos societários e tributários.
Exige também a capacidade de tornar estes números relevantes para os gestores, de criar um sistema de informações gerenciais que é fundamental para a Diretoria tocar a empresa, e de focar tanto no futuro quanto no passado, elaborando projeções e simulações que ajudem o CEO a traçar o caminho a seguir.
Nicholas Reade é fundador da RRBA, uma empresa de gestão para equipes de liderança, e foi CEO da Brookfield Incorporações.